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Por Rogerio Ruschel
Meu prezado leitor ou leitora, o Brasil é um país abençoado com um imenso oceano e com enorme potencial de diferentes terroirs para a produção de vinhos. Estamos aprendendo a melhorar estes dois patrimônios que particularmente adoro, e por isso gostaria de mostrar aqui alguns pontos de contato entre o oceano e o vinho.
Envelhecendo vinhos no mar
De vez em quando ouvimos que garrafas de vinhos com até mais de 200 anos foram encontradas no fundo do mar e estavam ótimos para beber, embora impossiveis de comprar…. Mas experimentar um vinho cuja garrafa envelheceu na água do mar por alguns meses já é possível porque desde 2013 vinhos comerciais vem sendo envelhecidos nas profundezas do oceano. In Vino Viajas jea registrou estas historias, veja aqui: https://invinoviajas.blogspot.com/2013/11/vinhos-amadurecendo-no-fundo-do-mar-ou_26.html
Em 2013 a Mira Winery, uma vinícola dos Estados Unidos envelheceu vinhos no porto de Charleston com a água com uma temperatura estável de 13° C e testes cegos mostraram que resultado foi de que o vinho destas garrafas apresentava mais complexidade. Na sequência foram sendo realizados vários testes em diversos lugares do mundo.
Em abril de 2017 produtores de vinho do sul de Portugal envelheceram 700 garrafas de vinhos no fundo do mar do litoral do país, a 17 metros de profundidade na Baía de Sines. Dizem que ficaram ótimos.
Também em 2017 a vinicola brasileira Miolo colocou no mercado 500 garrafas de espumante envelhecidas no fundo do mar da França. O vinho foi o Cuvée Tradition Brut, feito com uvas Chardonnay e Pinot Noir colhidas na serra gaúcha, que foi mergulhado a 60 metros de profundidade por 12 meses, a 9,7 mil quilômetros de distância da origem, na costa da Ilha de Ouessant.
Isso está virando um programa regular: desde 2018 a vinícola croata Edivo deposita anualmente na bela baía de Mali Ston, na Croácia, cinco mil garrafas no fundo do mar, onde o rótulo “Navis Mysterium Amphora” fica envelhecendo por dois anos.
Segundo enólogos, envelhecer vinhos no fundo do mar é melhor até mesmo do que em adegas subterrâneas, especialmente para o vinho espumante. A temperatura é perfeita, não há luz, a água impede até mesmo um pouquinho de ar de entrar, e a contra-pressão constante mantém as bolhas de champanhe. Além disso, as correntes submarinas agem como um berço, balançando suavemente as garrafas, o que mantém as borras se movimentando na garrafa.
Recriando um vinho de 2.500 anos com a ajuda do mar
Uma lenda antiga diz que há 2.500 anos os gregos produziam um vinho chamado Nesos com uvas brancas da casta Ansonica, da ilhas de Elba, que eram marinadas no mar Egeu por vários dias. Na mitologia grega, as Nesos eram as deusas das ilhas, filhas da mãe Gaia. O escritor romano Marco Terenzio Varrone chamou-o de “vinho dos ricos” no ano de 22 a.C; além disso, Plínio, o Velho escreveu que o imperador César ofereceu um vinho deste tipo, da ilha de Chios, em um banquete para celebrar seu terceiro consulado.
Pois tem gente recriando o Nesos. A idéia foi de Antonio Arrighi, um pequeno produtor da ilha de Elba, que por mais de dez anos vinificou um vinho local em ânforas de terracota Impruneta, em colaboração com Attilio Scienza, professor de viticultura da Universidade de Milão, que pesquisava sobre este mitológico vinho da ilha grega de Chios. A uva usada para recriar esse método específico de vinificação é a Ansonica, uma uva branca típica de Elba, provavelmente um cruzamento de duas uvas antigas do mar Egeu, Rhoditis e Sideritis, variedades com uma casca muito resistente e uma polpa crocante que permitia uma longa estadia no mar.
Em novembro de 2019 cerca de 40 garrafas com safra de 2018 do Nesos, o vinho marinho, foram apresentados em Florença, durante uma conferência organizada em colaboração com a Região da Toscana, a Promoção do Turismo da Toscana, a Fondazione Sistema Toscana e a Vetrina Toscana.
Vinhos e o surf
Pois aqui está uma idéia que não partiu das grandes vinícolas, e sim de uma pequena empresa social criada por dois jovens empreendedores da Murcia, Espanha: a Richpeoplethings. O projeto surgiu em 2014 nas praias mediterrâneas da Múrcia como uma ideia simples e genial: fazer pranchas de surf a partir de rolhas de cortiça de vinho usadas e descartadas.
Como se sabe rolha de cortiça é um material natural produzido como casca do sobrero, uma árvore com grande produção Península Ibérica, principalmente em Portugal, o maior produtor mundial, e na Espanha. Pois as pranchas fazem um enorme sucesso por lá, como In Vino Viajas já registrou aqui: https://www.invinoviajas.com/jovens-empreendedores-da-espanha/
Vinhos salvando os corais
Pois agora o vinho está ajudando o mar de maneira mais efetiva. As Bodegas Peñascal, pioneiras na Espanha em neutralidade em carbono e uso de energia 100% renovável, utilizam o Coral Ethical Rosé para ajudar a Coral Restoration Foundation, organização internacional que gere o maior programa de restauração de recifes de coral do planeta, com 10% dos seus lucros. Cada garrafa de Coral Ethical Rosé vendida contribui para devolver milhares de corais à natureza todos os anos, com o objetivo de plantar mais de um milhão de corais nos próximos três anos para recuperar 93.000 m2 de recife (equivalente a 52 campos de futebol).
Além disso a vinícola criou, em conjunto com a Trash Peak, uma edição limitada de pranchas de surf (PVP 500€) feitas com resíduos plásticos obtidos do mar e utilizando a técnica de impressão 3D. A Trash Peak, uma jovem empresa criada por dois surfistas empreendedores, projeta e fabrica pranchas ecológicas nas quais a maior parte dos recursos utilizados no processo de fabricação são reciclados e recicláveis, um compromisso de reutilização em vez de produção.
Ajudar o mar, vamos pegar esta onda!!!