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A DOCG Prosecco mutiplica as vendas e protege o produto contra larápios e falsificadores
Por Rogerio Ruschel
Meu prezado leitor ou leitora, caso ainda não esteja convencido do enorme valor agregado por uma Identidade Geográfica a um produto, convido para conhecer uma história muito interessante sobre o espumante mais vendido do mundo, o Prosecco. Você vai descobrir a semelhança desta história com a do Mago Shazam, que no mundo mágico das HQs, deu ao pobre órfão Billy Batson a capacidade de dizer a palavra “Shazam!!!” para se transformar num poderoso super-herói que defende quem tem razão mas não tem força (ou acha que não tem) para se defender. Na nossa história a palavra mágica é: “IG”!
Prosecco, um dos espumantes italianos (os outros são Franciacorta e Asti), é o vinho efervescente mais popular do mundo. Vende mais garrafas do que champanhe francês e cava espanhola juntos. Mas, acredite, é uma invenção bem recente. Até 2009, Prosecco era apenas o nome de uma uva cultivada por séculos principalmente (mas não apenas) no nordeste da Itália. Acredita-se que a casta seja originária da Croácia (outros acreditam que foi na Grécia) e tenha sido cultivada nos Balcãs, em particular na Eslováquia há muito tempo, e com o passar do tempo, o plantio foi “avançando” para a Itália se dando muito bem na região do Vêneto e Friuli.
Com esta uva se fazia um bom espumante, que todo mundo gostava, mas como ele não tinha uma identidade e não oferecia nenhum diferencial dos concorrentes, não agregava valor de mercado e o ior, nem protegia a qualidade do produto. Então, como estratégia de marketing, em 2009 os produtores iniciaram uma enorme revolução: trocaram o nome da uva Prosecco para Glera (que quer dizer uva em italiano antigo); adotaram Prosecco como o nome de uma região vinícola e criaram uma Identidade Geográfica com este nome para o produto feito com esta uva. Impressionante: em menos de 15 anos a nova identidade criou uma história de sucesso mundial.
Prosecco sempre foi o nome de uma uva cultivada na região de Veneto, mas nos primeiros anos do novo milênio (os anos que antecederam 2009), os vinhos à base da uva prosecco estavam se tornando cada vez mais populares. Entre os muitos motivos, seria justo destacar pelo menos três: o produto é mesmo bom; a mídia expontânea gerada por Paris Hilton (a milionária herdeira dos hotéis Hilton) que lançou o Rich Prosecco, em 2006 (e que em 2007 fez uma campanha nua pintada de dourado, cor da embalagem da latinha do prosecco dela), e a popularidade do Aperol Spritz, o coquetel preparado com o aperitivo Aperol da Campari, de baixo teor alcoólico, feito de laranjas doces e amargas, misturado com o Prosecco italiano, que se tornou o predileto dos happy-hours de verão na Europa.
Eu aposto também em outra razão de mercado: os consumidores descobriram que o Prosecco italiano é melhor do que os espumantes de Champagne, que ainda é uma bebida “dura”, cara e muito controlada, quase igual à que foi criada pelo monge religioso Dom Pérignon há 350 anos atrás quando cuidava das adegas da Abadia de Hautvilleres, na diocese de Reims na França. Enquanto espumantes do Brasil, o Prosecco italiano e a Cava espanhola fazem um grande esforço para serem populares e jovens, os espumantes da região de Champagne continuam, digamos assim, franceses demais.
Mas voltando à história porque ela é sensacional: esta estratégia foi decidida porque os produtores de vinho espumantes à base da uva Prosecco das regiões do Vêneto (Veneza, Vicenza, Treviso, Pádua e Belluno) e do Friuli (Gorizia, Trieste, Pordenone e Udine) não estavam gostando do fato de que outros produtores italianos estavam se beneficiando da crescente popularidade da uva. Repito: como o vinho era de todos e por isso não era de ninguém, e não tinha uma identidade, ninguém queria investir na proteção da qualidade e da imagem dele. Então pensaram em criar uma Denominação de Origem para protegê-la, porque, como você sabe, quando há uma denominação, outros não podem usar o nome.
Mas havia um problema: as regras europeias de Indicacões Geográficas proibem que um nome de uva seja uma Identidade Geográfica em si. Assim, o Prosecco – uma uva – não poderia se tornar um DOC ou DOCG, códigos italianos para uma D.O.
Então primeiro foi preciso mudar o nome da uva: prosecco foi removido do registro oficial e passou a ser oficialmente chamada de Glera, um sinônimo até então pouco usado para a uva. Em seguida, criou-se uma região chamada Prosecco.
Havia uma vila chamada Prosecco em Veneto, mas ela não tinha vinhas. Então escolheram para o registro formal da DO a pequena região de Conegliano-Valdobbiadene, duas cidades a noroeste de Veneza que estavam convenientemente localizadas na região de Veneto, e que eram então as produtoras mais proeminentes de vinho da uva prosecco era. Assim, as autoridades decidiram “inventar” uma nova região geográfica chamada Prosecco por lá. Então, Prosecco passou a se tornar um nome geográfico, e um DOCG Prosecco pôde ser criado. O nome Prosecco tornou-se um monopólio para a região. E todos tiveram que chamar a uva de “Glera”.
Hoje do ponto de vista legal Prosecco é uma região delimitada e regulamentada. Também pela nova legislação, um Prosecco deve conter, no mínimo, 85% de Glera em sua composição. Essa variedade, que amadurece no final do período da colheita (primeiras semanas de setembro enquanto as mudanças climáticas não mudarem isso), pode ser somada a 15% de outras uvas específicas: Verdiso, BianchettaTrevigiana, Perera, Glera Lunga, Chardonnay, Pinot Bianco, Pinot Grigio e Pinot Nero, também conhecida como Pinot Noir.
A história, além de ser interessante historicamente, mostra o que todos nós sabemos: que um produto que associa suas qualidades a um território adquir uma identidade e um diferencial de mercado. Mas que este diferencial de mercado não impulsiona vendas se não houver um esforço de marketing conduzindo o trabalho e protegendo a marca contra piratas.
Hoje, a região Conegliano-Valdobbiadene é muito bem sucedida. Só para lembrar, Conegliano e cidades vizinhas foram eleitas Cidades Europeias do Vinho 2016 pela Recevin – Rede Europeia de Cidades do Vinhos sob a presidência do meu amigo José Calixto, e deram origem a tres IGs: Prosecco DOC e DOCG e Spumante). A região produz cerca de 700 milhões de garrafas de espumante por ano e exporta mais de 70%. Espumantes com uma Denominação de Origem (na verdade três: Prosecco DOC, Processo DOCG e Spumante) são um patrimônio avaliado em centenas de milhões de Euros. Ou até mais, porque eles têm mais uma vantagem: estão pronta para o futuro.
Pois é, meu caro amigo leitor ou leitora: ao pronunciarem as palavras mágicas “Identidade Geográfica”, os produtores de um vinho sem identidade e “igual a todos os outros” se transformaram em super-heróis do desenvolvimento da vitivinicultura de valor agregado em uma região da Itália. Shazam!!! para todos nós que soubermos aprender com esta lição!!!