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Por Rogerio Ruschel
Meu caro leitor ou leitora, a cada dia fica mais óbvia a importância de se agregar uma denominação de origem a produtos agroalimentos como forma de diferenciação e valorização em um mercado global de commodities. Tenho reiterado isso aqui no “In Vino Viajas”, no meu livro “O valor Global do Produto local”, da Editora Senac, e em palestras que venho fazendo sobre o tema em geral e sobre o Acordo Mercosul X União Europeia em particular. Aliás, a China é o maior parceiro comercial do Brasil e já tinha apresentado em 2018 seu interesse em um acordo com o Brasil envolvendo 100 de suas Indicações Geográficas; então acho que em breve teremos novidades.
Pois dia 6 de novembro de 2019 foi formalizado um acordo bilateral de enorme importância econômica e estratégica que podemos considerar histórico porque vai proteger 100 indicações geográficas europeias na China e 100 indicações geográficas chinesas na União Europeia (UE) contra imitações e falsificações. Quer dizer: os chineses não vão poder produzir e comercializar queijos “tipo camembert” ou presuntos “tipo pata negra” e em compensação os europeus não vão poder produzir e comercializar “chá branco tipo Anji Bai Cha” ou “arroz tipo Panjin Da Mi”. O acordo agora será aprovado formalmente pelas partes: a UE pretende obter a aprovação do Parlamento Europeu até o final de 2020.
Os acordos visam proteger designações específicas de produtos para promover suas características únicas, vinculadas à sua origem geográfica e ao know-how tradicional – que obviamente agregam valor porque diferenciam os produtos da gigantesco cenário de commodities alimentícias. E vai ser ampliado: quatro anos após a sua entrada em vigor, será estendido para abranger outras 175 indicações geográficas de ambas as partes. Essas denominações devem seguir o mesmo procedimento de registro que as 100 denominações iniciais de cada parte já cobertas pelo acordo inicial. Os quadros abaixo identificam a IG europeia e seu nome em chinês.
Enquanto no Brasil consideramos mais importante a exportação de alimentos sem valor agregado, como commodities, que tem financiamento oficial e apoio governamental de todos os tipos, os agroalimentos de origem da Agricultura Familiar são um dos grandes trunfos da agricultura europeia porque preservam cultura, geram empregos e receitas, diminuem a migração de pessoas para as cidades e oferecem uma série de benefícios.
A União Europeia possui mais de 3.300 denominações registradas como indicação geográfica protegida (IGP) ou denominação de origem protegida (DOP); no Brasil não chegam a 70. As indicações geográficas da UE têm um valor de mercado de cerca de 74,8 bilhões de Euros e representam 15,4% do total das exportações de alimentos e bebidas da UE; no Brasil ainda não temos dados oficiais. Além disso, existem cerca de 1.250 denominações de países terceiros protegidos na UE, principalmente devido a acordos bilaterais como o que acaba de ser assinado com a China.
Os europeus perceberam que os Estados Unidos estão se isolando por conta própria. O presidente Trump faz questão de inimizar com a China que é o segundo destino para as exportações agroalimentares da UE, com um valor de 12,8 bilhões de Euros no período de doze meses entre setembro de 2018 e agosto de 2019. É também o segundo destino para as exportações dos europeus de produtos protegidos, como indicações geográficas, que representam 9% do seu valor, incluindo vinhos, produtos agroalimentares e bebidas espirituosas.
O mercado chinês tem um alto potencial de crescimento para alimentos e bebidas de qualidade como os europeus, com uma classe média afluente e crescente que aprecia produtos europeus autênticos, emblemáticos e de qualidade. Os chineses também possuiem seu próprio sistema de indicações geográficas bem estabelecido, com especialidades que os consumidores europeus agora podem descobrir graças a este acordo. Produtos como espumante, champanhe, queijo feta, uísque irlandês, Polska Wódka, Porto, presunto de Parma e queijo Manchego estão incluídos na lista de indicações geográficas a serem protegidas na China. Entre os produtos chineses, a lista inclui, por exemplo, Pixan Dou Ban (pasta de feijão Pixian), Anji Bai Cha (chá branco Anji), Panjin Da Mi (arroz Panjin) e Anqiu Da Jiang (gengibre Anqiu).
A cooperação entre a UE e a China em indicações geográficas começou há mais de dez anos em 2006 e resultou no registro e proteção por ambas as partes de dez denominações de indicações geográficas em 2012, que lançaram as bases da cooperação atual.
Enquanto isso no Brasil é lenta a mobilização para aprovar internamente o Acordo Mercosul com a União Europeia e também não nos mobilizamos para dotar nossa Agricultura Familiar de recursos de inteligência de mercado para poder competir em um mercado global; nossas famílias de agricultores continuam dependentes de políticas públicas paternalistas como compra para merenda escolar e preços mínimos. O mundo gira, a fila anda. E o comércio se sofistica.