Porque nosso turismo tem que ser tão pobre?

Tempo de leitura: 8 minutos

Por Rogerio Ruschel (*)

Neste post não vou falar de vinhos – mas vou falar de algo que está profundamente associado ao enoturismo: a qualidade no turismo. Acontece, caro leitor, que ando muito chateado com a pobreza de conteúdo, a falta de qualidade do turismo oferecido no Brasil para turistas brasileiros e com o gigantesco desperdício de oportunidades de valorização de um dos nossos maiores patrimônios: nossa diversidade. Quer ver um exemplo clássico? Porto Seguro, na Bahia, é o berço do descobrimento do Brasil e foi considerada Patrimônio Histórico Nacional e de Patrimônio Natural da Humanidade pela UNESCO. Sabe qual é a principal atração turística e foco do investimento público? A Passarela do Álcool, uma rua que é isso mesmo (veja a foto acima, retirada do site da Prefeitura Municipal).
Escrevi o texto abaixo como um artigo encomendado por uma revista de turismo; então, se parecer longo ou técnico demais, me desculpe. Seja compreensivo: como cidadão e jornalista vou usar todos os meios que puder para sensibilizar os que planejam e vendem pacotes turísticos para que entendam que o turismo só se completa quando promove o crescimento do turista. E este bloguezinho é um destes canais.
Em marketing caracteriza-se o turista como toda pessoa que se desloca de um lugar para outro para conhecer, ver, provar, fazer e sentir coisas que não tem no seu lugar de origem, como parte de seu tempo livre. E como as pessoas têm diferentes formações, experiências e expectativas, as atrações turísticas são tão múltiplas quanto os grãos de areia da praia de Jeriquaquara. Mas não é assim no Brasil: os produtos turísticos mais vendidos oferecem programas pobres em conteúdo e nivelados por baixo: beber/comer/pegar-sol ou fazer compras (em moeda nacional ou estrangeira).
Nossa posição de 6o. lugar no PIB e 82o. no IDH mundial pode explicar isso. O turismo no Brasil tem uma história curta: de um passado recente no qual apenas a elite viajava (e preferia destinos internacionais) só nos anos 80 começou a ser democratizado com o trabalho de pioneiros como Guilherme Paulus, com a CVC. Além de atender a classe média “tradicional” com a oferta de destinos mais sofisticados no Brasil, estes pioneiros criaram produtos para operários com mais tempo livre, procurando lazer e maior poder aquisitivo com o desenvolvimento da indústria automobilística.
Esta democratização foi baseada na criação de “pacotes”, um modelo econômicamente acessível de turismo, mas pobre em qualidade como crescimento pessoal: ao turista cabe embarcar, se hospedar, passar o tempo pegando sol, comendo e bebendo, fazer um passeio rápido para fotografar os lugares mais badalados e embarcar de volta. Vende-se assentos em ônibus ou aviões e leitos em hotéis. E só, mais nada. Um modelo pobre se a referencia for o que é praticado em países onde turismo é uma atividade estratégica e o turista é tratado como um ser humano que precisa ser respeitado e um consumidor que precisa ser cativado.
No turismo interno a relação do turista com o local visitado é vazia e o acréscimo do ponto de vista cultural é displicente: o turista é apenas um visitante sem envolvimento com a comunidade, a história e a cultura do destino. (Isso sem contar que em muitos destinos o turista é um depredador dos recursos naturais e sociais – mas isto é outra história). Na outra ponta, a relação do prestador de serviços (bares, restaurantes, hotéis, lojas) em termos gerais também é marcada pelo distanciamento do turista: o negócio dele é explorar o turista e não o turismo. É um modelo acessível, mas não sustentável; um lamentável desperdício de oportunidades para valorizar nossa cultura regional, talvez porque as comunidades também não se dão ao respeito – e se você visitar Gramado, por exemplo, vai entender o que é “se dar ao respeito”.
Gramado durante o Natal Luz: uma cidade que respeita o turista e é respeitada por ele (Foto do site da Prefeitura Municipal).
Quem trabalho no ramo vai me dizer, com certa razão, que o turista brasileiro prefere sol&mar e que não está interessado em cultura; que vendemos o que o mercado procura; que a maioria dos destinos não oferece opções culturais; que passeios culturais devem ser oferecidos por receptivos e muitos já estão nos city-tours; que não vale a pena ter produtos sofisticados; que até mesmo estrangeiros quando vêm ao Brasil preferem sol&mar. Tudo isto é verdade, precisamos aplaudir o esforço do trade porque em termos econômicos está funcionando: o setor faturou cerca de R$ 60 bilhões em 2011, emprega cerca de 2,2 milhões de pessoas na cadeia produtiva que engloba 52 setores e deve contabilizar 64 milhões de desembarques no país em 2012. A contribuição econômica é bem vinda, mas isso não muda o fato de que do ponto de vista de qualidade cultural continuamos a vender turismo pobre em conteúdo, focado apenas no lazer e entretenimento – sem falar nas viagens de compras, as de “contrabandinho”, contabilizadas como se turismo fossem.
Mas o turismo deve propiciar cultura, além de lazer e entretenimento e seguir referências de sustentabilidade, segundo declaração do ministro Gastão Vieira durante a Rio+20. Pois o ciclo vicioso (porque incompleto) que praticamos infelizmente deve se perpetuar nos próximos anos para atendimento aos consumidores das classes C e D, a “nova classe média”. Já democratizado, o turismo no Brasil vai ser massificado – e por baixo. Se nenhuma iniciativa for tomada vamos continuar tratando o turista como um assento em avião ou um leito em hotel; vamos continuar a oferecer turismo pobre culturalmente – em um pais que é campeão mundial em diversidade cultural!
Reconheço que isto faz sentido econômico porque, segundo o Ministério do Turismo, o turismo doméstico responde por cerca de 85% do turismo brasileiro e o marketing mais fácil e óbvio é oferecer o que o mercado procura.
Mas mesmo assim pergunto: não seria a hora de ter um pouco de generosidade com o país e investir na qualidade de conteúdo da oferta turística, mesmo estando na “contra-mão” do mercado? Será MESMO que o turista brasileiro é avesso a cultura – mesmo vendo que exposições de arte atraem dezenas de milhões de pessoas todos os anos? Será MESMO que os destinos mais visitados não têm nada a oferecer além do básico? Será que incluir atividades culturais no pacote, hoje “opções” a serem compradas localmente, inviabilizaria o negócio? Será MESMO que não compensaria aos destinos qualificarem suas atrações e tratarem seus visitantes com respeito? Será MESMO inviável oferecer ao turista, no pacote, folhetos caprichados sobre patrimônios culturais (alguns tombados pela UNESCO) como as de Olinda, São Luis, Paraty, Ouro Preto, Rio de Janeiro, Recife, Diamantina, Brasília, Petrópolis e Salvador – ou de museus em cidades como São Paulo e Belo Horizonte? Será MESMO que destinos de alta relevância cultural e ambiental como Inhotim, em MG, não merecem ser incentivados? Custa “caro demais” valorizar nosso patrimônio e cultura?

Inhotim, MG: na frase de Ricardo Freire, autor da foto, “o melhor passeio que você ainda não fez”

Entendo que as agencias de viagens deveriam assumir este desafio por uma questão estratégica, por pelo menos três razões: 1) confiar o futuro do negócio na venda de produtos básicos pode ser perigoso a longo prazo porque significa competir por preços, exige escala, tem altos custos operacionais e perpetua um modelo pobre; 2) porque em algum momento as agencias vão precisar justificar sua utilidade junto ao consumidor que pode comprar este básico pela internet; 3) e finalmente porque produtos mais sofisticados, mesmo os de nicho, atraem viajantes freqüentes, de maior poder aquisitivo e possibilitam margem de lucro maior. (Existe uma quarta razão, mas que provavelmente só vai ser importante tarde demais: o compromisso do profissional de turismo, enquanto cidadão, de ajudar o desenvolvimento sustentável dos destinos que hoje são percebidos apenas como locais para desembarcar assentos ou ocupar leitos).
Agregar qualidade de conteúdo na oferta de pacotes ajudará a resolver outro problema: segundo o Ministério do Turismo, 65,4% dos turistas em visita ao Brasil não utiliza serviços de agências de viagem. E natureza, ecoturismo e aventura são as motivações de 27% de estrangeiros que vêm ao Brasil – produtos hoje oferecidos como nicho e apenas por agencias especializadas de pequeno porte, do Brasil e do exterior.
Claro que estas reflexões estão na contra-mão da luta diária dos profissionais de turismo e respeito suas decisões. Mas em algum momento vamos ter que ir além do trivial no turismo brasileiro. E prefiro acreditar na possibilidade de que esta reflexão sensibilize algum leitor com capacidade de liderança e iniciativa que pense no turismo como um pacote completo para o crescimento do turista.
(*) Rogerio Ruschel, editor deste blog, é jornalista e consultor especializado em sustentabilidade, autor de 5 livros e 27 estudos sobre meio ambiente, sustentabilidade e cidadania.

 

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