Origens Brasil: uma rede de negócios sustentáveis na Amazonia, onde a união faz a força

Tempo de leitura: 10 minutos

Foto de Simone Giovine, AFP

Por Rogerio Ruschel

EXCLUSIVO – Entrevista com Luiz Brasi Filho, coordenador de mercado da Rede Origens Brasil.

Estimado leitor ou leitora, recentemente um grupo de grandes empresas brasileiras e estrangeiras solicitou ao governo brasileiro providências para conter o desmatamento. Segundo sua mensagem, é estratégico compreender a importância do uso sustentável dos recursos naturais do país, porque “Em nenhum momento da história o futuro da humanidade e do planeta dependeu tanto da nossa capacidade de entendimento de que vivemos em um único planeta e de que a nossa sobrevivência está diretamente ligada à preservação e valorização dos seus recursos naturais.” Estas empresas estão certas e nós sabemos que o Brasil tem vantagens competitivas para liderar uma retomada econônica (mais) sustentável; o que precisamos é de modelos, incentivos e fiscalização – além de vontade, é claro.

Pois um excelente modelo de muito sucesso é o programa Origens Brasil, uma rede surgida em 2016 que promove negócios sustentáveis na Amazônia em áreas prioritárias de conservação gerando produtos com garantia de origem, transparência, rastreabilidade da cadeia produtiva e comércio ético.

A rede trabalha na ponta do B2B, isto é, estrutura parcerias com empresas que compram matérias-primas para seus produtos (por exemplo, insumos para a produção de essências ou óleos para refinar) ou produtos prontos (castanhas, pimentas) que serão preparados e embalados para comercialização. E são estas empresas  (como Firmenich, Havaianas, Caras do Brasil, Manioca, Natura, Osklen, Wikbold) que fazem a parte de B2C do negócio, chegando ao consumidor final por seus próprios canais. Aliás, as empresas se comprometem de fato porque também participam da governança da rede, através de um Conselho Gestor que oferece diretrizes de longo prazo para o programa.

O programa vem sendo realizado desde 2008 e os resultados mostram duas coisas muito importantes: 1) que é possivel e lucrativo desenvolver sem destruir áreas florestais e 2) que produtos locais, com identidade e origem, tem grande potencial de se diferenciar no mercado, e com isso agregar valor a quem o produziu e ao território no qual foi produzido. O foco tem sido o mercado nacional, porque, segundo Luiz Brasi Filho, os brasileiros precisam conhecer os produtos e recursos da Amazônia, como consumidores e como patriotas.

Foto de Aloyana Lemos

Desenvolvimento sustentável

Sabemos que a exploração sustentável dos recursos da floresta amazônica pode ser uma das protagonistas da retomada econômica “verde” do Brasil neste periodo pós-pandemia – e que consumidores qualificados dão valor a isso. E sabemos também que a diferenciação de um produto por sua origem e identidade é muito valiosa em marketing, como argumentam Philip Kotler (o “papa” do marketing mundial) e John Quelch (ex-reitor da Universidade de Harvard) e eu demonstro no meu livro “O valor global do produto local – A identidade territorial como estratégia de marketing”, da editora Senac. 

Por isso, mais do que nome de uma rede de negócios sustentáveis, Origens Brasil é também um selo de identificação dos produtos resultantes do trabalho da rede, para informar ao mercado que aquele produto foi feito com matérias-primas locais, de maneira sustentável e oferece benefícios de comércio justo. O selo, colocado como um QR Code nos produtos (castanhas, farinhas, cogumelos, pimentas, óleos, mel, remédios, borracha, artesanato e outros), ao ser lido com o telefone celular oferece rastreabilidade, certifica a origem e conta histórias – histórias sobre o produto, o território, sobre os produtores e a cultura que envelopa o produto. De verdade, porque todos os produtos têm fichas que valorizam o produtor (inclusive com foto) e oferecem dados de localização, território e cultura; o mesmo ocorre com as 27 empresas participantes. Veja no site http://origensbrasil.org.br/produtos .Você pode visitar também os espaços no Youtube, Facebook e Instagram.

Foto de Luiz Cunha

Concebido pelo Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e pelo ISA (Instituto Socioambiental) com apoio financeiro do Fundo Vale, a rede Origens do Brasil permite que povos tradicionais da Amazônia participem de cadeias produtivas da sociobiodiversidade, transmitam seus valores e escoem seus produtos de quatro territórios: Xingu, Calha Norte, Rio Negro e Solimões. Em 2018 o programa conquistou mais um destaque: o Prêmio Internacional de Inovação para a Alimentação e Agricultura Sustentáveis da ONU – Organizações das Nações Unidas.

Origens Brasil reúne 27 empresas, 45 instituições, 1879 produtores, 40 etnias indígenas, quilombolas e extrativistas e contabiliza R$ 8,2 milhões transacionados. 

Entrevistei Luiz Brasi Filho, coordenador de mercado da rede para que os leitores de “In Vino Viajas” e do WebCanal Tesouros no Fundo do Quintal conheçam um pouco mais sobre a Origens Brasil. Leia a seguir.

Rogerio Ruschel  – Como fazer o “casamento” do Origens Brasil com a iniciativa recente de um grupo de empresas que solicitou ao governo brasileiro providências para o fim do desmatamento? 

Luiz Brasi FilhoNós nos posicionamos como uma rede, que visa mudar a lógica de se fazer negócios na Amazônia Brasileira. Dessa forma, acreditamos que a formação de novas redes e posicionamentos públicos de grandes empresas são importantes engrenagens para fortalecermos a economia da floresta em pé e dar visibilidade para os povos que vivem nela e dela. Além disso, buscamos mostrar que a melhor forma de conservação das nossas florestas é dar uma destinação econômica às florestas por meio do uso racional dos produtos da sociobiodiversidade. E que conservação e produção podem e devem caminhar juntas.

Rogerio Ruschel – Como os verdadeiros protagonistas – os trabalhadores – são capacitados para “pensar em mercado”, isto é, para entender o que acontece com o seu trabalho e seu produto? Existe algum tipo formal de capacitação? 

Simone Giovine – AFP

Luiz Brasi FilhoAtuamos dentro de áreas protegidas, ou seja, Unidades de Conservação e terras indígenas. Dessa forma, os grupos com que atuamos em rede são povos indígenas e populações tradicionais. E toda sensibilização e engajamento (e também capacitações no âmbito do Origens Brasil) é realizado em conjunto com as Instituições de apoio locais que atuam com essas populações e são reconhecidas por eles. As relações com o mercado são em geral facilitadas pelos técnicos e técnicas dessas instituições em um processo de inclusão dessas populações, para que aos poucos passem a realizar a negociação direta sem o intermédio das instituições. É um processo gradual e de acompanhamento, no qual os protagonistas nas negociações são as populações, mas com apoio técnico.

Rogerio Ruschel – Com vários produtos com o Selo de Identidade “Origens Brasil”, não seria recomendável buscar uma certificação formal do território, através de uma Identidade Geográfica, IP ou DO? 

Luiz Brasi Filho O Origens é uma rede que conecta empresas a cadeias produtivas sustentáveis em áreas prioritárias de conservação na Amazônia, gerando valor para a floresta em pé e para os povos que vivem dela. Viabiliza negócios em prol da floresta em pé com garantia de origem, rastreabilidade, transparência e promovendo comércio ético. Vamos além de uma certificação de origem e nossa solução foi co-criada com comunidades, empresas e instituições de apoio. Vimos que uma única ferramenta não seria suficiente, ou não estavam bem adequadas para encarar os desafios locais na Amazônia e para a realidade das comunidades. Com isso, desenvolvemos um novo caminho para geração de valor compartilhado, no qual o nosso selo é o conector entre quem produz na floresta com quem compra na cidade, criando uma nova conexão com a origem do produto.  

Rogerio Ruschel  – Como outras atividades colaterais às atividades produtivas – como turismo e indústrias criativas de base local – estão inseridas no programa?

Luiz Brasi FilhoO turismo hoje não é acompanhado por meio da rede, mas nas áreas de atuação há vários projetos de turismo de base comunitária e que são boas estratégias de geração de renda e conexão da cidade com a floresta. De toda forma nesse período de pandemia essa agenda está complicada, bem como no início do próximo ano. As indústrias criativas de base local podem ser um excelente caminho para aumentar a geração de renda, o empoderamento das comunidades, bem como trazer inovação e agregação de valor ao produto na própria região, fomentando um desenvolvimento local.

Rogerio Ruschel – Quais as projeções do Origens Brasil para o biênio 2021/2022, tidos como os anos críticos do pós-pandemia? 

Luiz Brasi Filho – Vamos fortalecer a nossa estratégia para cadeias de alto impacto para as comunidades, como castanha, borracha e pirarucu. Ademais, estamos estudando meios de organizar treinamentos online, com a linguagem adequada, além de investir na ativação da nossa rede, e promovendo mais encontros virtuais de negociação e discussões técnicas.

A imagem abaixo é uma página da Cartilha “Conhecendo o Selo Origens Brasil” no idioma Kayapó. É utilizada para ampliar o programa. A tradução está abaixo.

“As pessoas que vivem na cidade e compram os produtos que vêm da floresta, muitas vezes não conhecem a história desses produtos. Não sabem quem colheu e onde essas pessoas moram. Não sabem se aquele produto ajuda, ou não, a conserver a floresta e qual a relação dessa floresta com seu bem-viver na cidade. Conhecer essas histórias e entender essas relações ajuda a valorizar os produtos, aumenta a consciência de consumo e remunera melhor as populações tradicionais e os povos indígenas que vivem na floresta. Por isso foi criado o o selo Origens Brasil, apresentado a seguir nesta cartilha.

Créditos: apoio: Marcia Soares, Fundo Vale; Jessica Trabuli e Israel Lippe, Profile Relações Públicas. Fotos: acervo Imaflora – Luiz Cunha, Simone Giovine/AFP e Alyana Lemos

Saiba mais aqui: http://origensbrasil.org.br/

Terra Indígena Andirá-Marau é a primeira Indicação Geográfica para povos indígenas do Brasil – http://www.invinoviajas.com/2020/12/warana/

Embrapa e Sebrae valorizam produtos agroalimentares de territórios brasileiros – http://www.invinoviajas.com/2020/10/evento-internacional/

Por que o maior varejista da América Latina anuncia um pequeno vidrinho de pimenta produzida por índias Baniwa da Amazônia? – http://www.invinoviajas.com/2020/05/indias-baniwa-da-amazonia/

2 Comentários


  1. Maravilha de entrevista. Parabéns, Rogério Ruschel, tenho a Imaflora como uma das nossas fontes, e nunca recebemos está sua matéria, que divulgamos com alegria na Rede Brasileira de Informação Ambiental, para nossos mais de 35.000 seguidores! O caminho da sustentabilidade com certeza é por aí!

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    1. Obrigado, Vilmar. Fico feliz em poder ajudar teu maravilhoso trabalho e orgulhoso em saber que você está lendo meus textos. Vamos juntos construir um mundo mais humano e sustentável. Abraços, Rogerio

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