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Por Rogerio Ruschel
O cambuci (Campomanesia phaea) é uma árvore frutífera nativa da Mata Atlântica com flores brancas e folhas pequenas e brilhantes (abaixo) que quase chegou a extinção por ter uma madeira de excelente qualidade para a fabricação de ferramentas, pelo desmatamento com o crescimento urbano das cidades e também pelo desinteresse de cultivo por que sua fruta, o cambuci (acima), que é ácido como o limão e desagradável para ser comido in natura. Originalmente abundante no Rio de Janeiro, onde denominou uma cidade, e na gigantesca cidade de São Paulo – onde deu nome a um de seus bairros mais tradicionais – o nome cambuci é de origem indígena e se deve à forma de seus frutos, parecidos com os potes de cerâmica que recebiam o mesmo nome.
Pois o cambuci quase desapareceu: escapou de entrar na lista de árvores em risco de extinção com a descoberta de seu potencial econômico para a produção de sucos, geleias, sorvetes, licores, mistura em bebidas alcoólicas, mousses e bolos. Parente da goiaba e da pitanga, embora azedo no sabor natural, o cambuci tem um perfume intenso, adocicado, e é muito rico em vitamina C. A recuperação da árvore e da fruta se deve, entre outras causas, a um programa que apostou no potencial gastronômico do cambuci e vem sendo realizado há 10 anos pelo Instituto Auá de Empreendedorismo Socioambiental. O programa combina o desenvolvimento de receitas por chefs conhecidos, a participação em festivais gastronômicos, um Arranjo Produtivo Sustentável (APS) para agregar valor agricola, pesquisas feitas por uma rede de pesquisadores e técnicos e eventos turísticos.
O Cambuci (ao lado de frutas da mata atlântica como Grumixama, Jabuticaba, Juçara e Uvaia) participa do programa “Sabor Nativo – Buffet e Oficinas Gastronômicas” do Auá que promove a cultura, a biodiversidade e as comunidades locais pela gastronomia. Experimentei as delicias do Cambuci e gostei: geleias (que ficam com uma bela cor vermelha, veja acima), doces, sucos, drinks (abaixo), salgadinhos, compotas, bolo de rolo, picolés, tudo diferenciado. O chef Renato Caleffi, introdutor da “gastronomia funcional” no país, que enfatiza a integridade dos alimentos – aves, carnes, frutos do mar, hortaliças orgânicas sempre com zero açúcar, zero lactose e zero gluten – encontrou no Cambuci um aliado dos benefícios para o corpo humano.
A gastrônoma Ana Tomazoni desenvolveu um bolo de aveia com cambuci (foto abaixo). Outro especialista que incorporou o Cambuci foi Patrick Jakobovitsch, o chef de bar do D.O.M, restaurante brasileiro considerado o 9º melhor do mundo, com forte influência na divulgação da gastronomia brasileira, que criou um licor artesanal desenvolvido com vodca, açúcar e Cambuci muito pedido pelos clientes. A padaria de origem belga Le Pain Quotidien aderiu às qualidades do Cambuci, e desenvolveu um suco de sabor inédito – e no futuro pensa em fazer compras diretas dos produtores.
Além de tema de pesquisas científicas e da preferência de gastrônomos, o Cambuci virou festa com o desenvolvimento de roteiros turísticos da Rota Gastronômica do Cambuci, conjunto de eventos comunitários ralizados ou fomentados pelo Instituto Auá em parceria com uma dezena de municípios do Cinturão Verde da Grande São Paulo: São Paulo, Rio Grande da Serra, Santo André, Mogi das Cruzes, São Lourenço da Serra, Salesópolis, Paraibuna, Ribeirão Pires, Bertioga e Caraguatatuba. A 10ª Rota Gastronômica do Cambuci foi realizada no Largo do Cambuci, São Paulo, em dezembro de 2018.
Para maior repercussão, cada municipio realiza seu evento de valorização do cambuci em uma data particular, de interesse comunitário, e desta forma milhares de pessoas podem conhecer e degustar o cambuci em suas múlltiplas receitas. O sucesso tem sido tão grande que atualmente muitas destas cidades querem ser conhecidas como “a capital do cambuci”.
Mas além de mobilizar comunidades em torno do conhecimento e consumo do cambuci, o programa investe no Ecomercado, ação que apoia a produção agroecológica e o comércio justo da fruta e em ações paralelas de comercialização. Com alguns anos de trabalho, a produção do cambuci está demonstrando que possui um grande potencial para a geração de renda aliada à preservação de recursos naturais como água, fauna e a floresta. Atualmente um único pé adulto de cambuci pode chegar a uma safra de 200 quilos e o valor de venda do fruto pelo produtor rende em média 5 Reais por quilo.
Os resultados tem sido consistentes e o aumento de produção é um indicador seguro: de um consumo de 7 toneladas em 2014, a procura demandou para 13 toneladas em 2015, 40 toneladas em 2017 e tem projeção de 80 toneladas em 2018. Como me disse Gabriel Menezes, presidente do Instituto Auá durante um seminário que organizei na Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, “O trabalho com frutas nativas é muitas vezes mais promissor que o plantio de eucalipto, por exemplo”.
Um brinde aos criadores e paricipantes deste projeto susstentável e um abraço para Heloisa Bio, jornalista do Instituto Auá de Empreendedorismo Socioambiental.
Saiba mais: http://institutoaua.org.br/
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Muito bom Rogério Ruschel, muito obrigado pelo apoio e compromisso com a causa, uma belíssima matéria!!!
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Obrigado, Gabriel. estou planejando outra ação, vamos ver se consigo. Abraços