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Por Rogerio Ruschel
São Paulo, 20 de novembro de 2023. Meu querido leitor ou leitora, ao que parece a eleição de um ultraliberal extremista de direita com ideias “diferenciadas” como presidente da Argentina, pode perturbar o desenvolvimento da agricultura familiar no Brasil – e de maneira específica, afetar o desempenho dos produtos com Indicação Geográfica. Para pior ou para melhor – mas pode ser para melhor, se soubermos entender e aproveitar a oportunidade. Explico porque.
Como se sabe, o acordo comercial entre a União Européia e o Mercosul que vem sendo negociado há 20 anos se propõe a derrubar impostos e limpar barreiras ao livre comércio, e favorecerá os produtores mais tradicionais e eficientes e com marcas conhecidas e respeitadas pelos consumidores. E a maioria dos analistas acredita que os maiores benefíciados serão os europeus porque nossos produtos com valor agregado como geléias, vinhos, queijos, embutidos, temperos e outras dezenas de produtos, ainda não estão preparados para competir em preço e “fama” com concorrentes franceses, italianos, espanhois, alemães, belgas e outros.
Até algum tempo atrás as chances dos brasileiros eram mínimas porque nossos agricultores familiares nunca foram incentivados a competir com produtos com distribuição global; nunca tiveram suporte para conquistar mercados e criar marcas; nunca tiveram capacitação para criar estratégias de marketing para agradar a classe média, porque, nunca tomaram decisões próprias, sempre preferindo serem dependentes de políticas públicas. E isso até mesmo quando sofriam com a outra mão porque, até pouco tempo, queijos de leite cru, geléias domésticas, vinhos pessoais e embutidos artesanais eram severamente combatidos por órgãos de vigilância sanitaria – e ainda o são em alguns locais.
Mas o crescimento de produtos com Indicações Gerográficas nos últimos três anos pode fazer a diferença positivamente – desde que os produtores entendam que precisam investir na promoção de seus produtos. E isso precisa ser rápido, porque a União Europeia quer aprovar o acordo com o Mercosul até o dia 8 de dezembro de 2023, porque o presidente eleito da Argentina, Javier Milei, ameaçou retirar seu país do Mercosul, o que abalaria todos os planos de um pacto comercial entre os dois blocos.
Pois é: os produtos mais afetados pelo Acordo serão os agroalimentos, e o maior volume é produzido pela agricultura familiar e não pelas commodities de exportação. Por isso o papel dos produtos com Indicacões Geográficas se torna estratégicamente importante agora, porque a maioria deles nasce em sitios e fazendas da agricultura familiar e em pequenas empresas indústrias e comércios de base local.
O Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2023, divulgado pela Contag em parceria com o Dieese, informa que essas pequenas propriedades familiares são responsáveis por 23% do valor bruto da produção agropecuária do país e por 67% das ocupações no campo. São 10,1 milhões de trabalhadores na atividade – especialmente do Nordeste, com 46,6%. Segundo a Agência Brasil, a agricultura familiar responde por 40% da renda da população econômicamente ativa de 90% dos municípios com até 20 mil habitantes, que representam 68% do total do país. Ou seja: faz o dinheiro circular nas pequenas cidades, gerando um efeito multiplicador de emprego e renda de enorme impacto.
Então convido e mais do que isso, congrego os produtores das cadeias produtivas de produtos com Indicações Geográficas a se decidirem: ou competem ou naufragam. E que seja rápido porque precisam buscar o apoio da sociedade como um todo – que hoje infelizmente ainda desconhece a existência dos produtos com Indicação Geográfica por absoluta inércia dos interessados.
Resumindo: o Acordo Mercosul X União Europeia poderá causar grande estrago a nossos produtos agroalimentares despreparados para competir, o que pode afetar especialmente as pequenas cidades do interior do Brasil, literalmente falidas. Ou poderá ser mais um impulsionador de nossa gigantesca capacidade de resiliência na agricultura e daspeqwuenas indústrias de base local.
Pergunto: a Abrig – Associacão Brasileira das Indicações Geográficas, que responde por mais de 110 associações de produtores do Brasil inteiro, está atenta a essa demanda?