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Por Rogerio Ruschel
Exclusivo – Meu prezado leitor ou leitora, para cumprir o compromisso de ser o mais dedicado e manter a posição de principal sitio de internet sobre Cultura do Vinho na América Latina, In Vino Viajas faz mais uma reportagem internacional, desta vez sobre o trabalho da prefeitura de Vidigueira, no Alentejo, Portugal, que investe para transformar o vinho de talha em um Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade reconhecido pela Unesco. No dia 31 de julho de 2018 vinte municípios e sete entiodades alentejanas se comprometeram formalmente com o projeto, como você vai ver no final deste texto. Acompanhe a seguir esta longa, exclusiva e histórica entrevista com a equipe responsável pelo processo, alguns dos quais estão na foto abaixo: da esquerda para a direita Manuel Carvalho (fotógrafo, autor das fotos a cores entre as quais a que abre esta matéria, de caneco e escudela para a transgega do vinho de talha); Ana Patrícia Marreiros (licenciada em Investigação Social Aplicada e Coordenadora da equipe); Rosa Trole (licenciada em História) e Jorge Salvador (licenciado em Investigação Social Aplicada). Além deles ajudou a responder a entrevista Rui Raposo, presidente da autarquia (prefeito) de Vidigueira.
Muitas vinícolas em todo o mundo com 50, 100 ou 150 anos se orgulham do passado e apresentam seus produtos como “um legado histórico”. Elas estão certas. Mas você vai conhecer um legado histórico de verdade, um tipo vinho que vem sendo preparado do mesmo jeito há mais de 2.000 anos – desde o tempo dos romanos – por centenas de famílias. Aliás, a herança arquitetônica e histórica dos romanos está presente na Vidigueira entre outros locais, no sítio arqueológico da vila romana de São Cucufate, do século I, que na foto abaixo recebe a visita do Grupo Coral da Adega Cooperativa Vidigueira Cuba e Alvito.
Estou falando do vinho de talha (na foto abaixo), o grande legado do Alentejo e de Portugal, produto de um método de produção de vinhos que é uma herança cultural única que agora inicia um processo de formalização de registro como património cultural no Inventário Nacional do Patrimônio Cultural e Imaterial de Portugal e posteriormente será candidato na Lista do Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade da Unesco. Só para lembrar, Portugal já tem três legados da cultura do vinho reconhecidos pela Unesco: o Alto Douro Vinhateiro, o centro histórico da cidade do Porto e os vinhedos da Ilha do Pico, nos Açores.
Em Novembro de 2016 quando o Concelho de Vidigueira (o município de Portugal que está liderando esse processo) iniciou o processo de preparação da candidatura, cerca de 150 produtores participavam do esforço; atualmente, passadas as eleições municipais de fins de 2017, ao menos 23 municípios do Alentejo e mais de 150 produtores estão participando da mobilização. Conheça essa historia a seguir. As fotos em preto e branco são do Eng. Joaquim Oliveira.
R. Ruschel: Existe alguma estimativa sobre o volume e as castas de uvas utilizadas na produção de vinho de talha no Concelho da Vidigueira? E no Alentejo?
Equipe Vidigueira: Sobre volume: A tecnologia e o método de produção do vinho de talha e o seu milenar processo de vinificação representam uma herança cultural de enorme singularidade, que está presente em muitas comunidades vinhateiras do Alentejo, para a qual contribuíram sucessivas gerações de atores e intérpretes que souberam garantir a sua preservação e continuidade o que permitiu assegurar a sua atual integridade cultural e tecnológica. Contudo tratando-se de um processo que se manteve como uma herança familiar e de carácter particular a compreensão da escala produtiva no concelho da Vidigueira em particular e no Alentejo em geral, não foi ao longo dos tempos contabilizada não permitindo ter uma noção precisa do volume de produção anual em cada uma das comunidades vinhateiras. No âmbito da realização dos estudos prévios conducentes à preparação do dossier de candidatura da ‘Produção Tradicional de Vinho de Talha’ para inscrição na lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade irá ser aferida a capacidade e escala produtiva dos vitivinicultores de vinho de talha. Na foto abaixo, a simplicidade e autenticidade do consumo do vinho de talha bebido “à volta do petisco”.
Sobre as castas: As castas que predominam nos territórios alentejanos em regra estão associadas à herança varietal característica dos territórios peninsulares e que foram identificadas como as mais apropriadas pelos viticultores para a produção de vinho de talha. Evidenciam-se no concelho de Vidigueira as castas brancas autóctones, entre elas, Perrum, Manteúdo e a mais famosa – Antão Vaz -, entre outras que foram privilegiadas na produção de vinho de talha.R. Ruschel: Frequentemente se diz que Vidigueira é a região do Alentejo (e de Portugal) que melhor preservou a tradição de produção do vinho de talha. Sabe-se por qual ou quais razões?
Equipe Vidigueira: “O Alentejo, pela sua tradição, é a “Pátria deste tipo de vinho”, enquanto…para italianos, franceses, eslovenos ou californianos os vinhos de talha são uma novidade excitante com pouco mais de duas décadas um regresso aos ensinamentos e à pureza do passado, para o Alentejo eles não são mais que a sua condição natural” (Falcão, 2012). Nesta região a Vila de Frades é a Capital do Vinho da Talha e, pela reflexão que fizemos, a tradição continua viva e poderá ganhar relevância e potencial caso os Homens a saibam preservar. Terminamos com um repto, porque não projetar para o futuro da Vidigueira vitivinícola a produção destes “vinhos históricos” que nos são naturais, que nos distinguem pela originalidade que moldaram e continuam a moldar a nossa identidade cultural?” (Trole e Fialho: 2014, p. 137). Na foto abaixo, desengaçador para tirar as balsas das talhas.
A importância do Vinho de Talha na Vidigueira assume uma preponderância especial, em virtude de se ter verificado continuidade produtiva do vinho de talha desde a época romana. As condições edafo-climáticas próprias dos territórios da Vidigueira, combinadas com os elementos culturais e tecnológicos que lhe estão associados fazem deste legado uma singular simbiose entre terroir, condições climáticas, diversidade de castas e património enológico que lhe conferem um valor universal excecional. Na foto abaixo, a vinha no seu contexto da paisagem mediterrânica.
O processo de vinificação manteve-se inalterado desde a antiguidade o que permitiu garantir a preservação de arquiteturas, recipientes, saberes e processos culturais que fazem da tecnologia e método de vinificação do vinho de talha uma íntima e estreita conjugação da civilização do vinho com a civilização do barro. A estrutura fundiária e as formas de divisão da propriedade rústica e o entrelaçamento com as estruturas familiares foram o garante das condições necessárias para a preservação da herança cultural, pois a pequena escala da produção vitivinícola acompanha a pequena escala da propriedade que está associada a preocupações de sustentação da pequena economia doméstica na qual o vinho ocupa um papel preponderante em territórios de grande aptidão vitivinícola. Na foto abaixo o ritual dos trabalhos na adega.R. Ruschel: Onde é possivel obter-se as talhas para o processo? Existem produtores de talhas de grande porte na região da Vidigueira ou no Alentejo? É possivel estimar o custo de uma talha de 1.000 litros? Com o aumento da produção como será possivel obter-se mais talhas?
Equipe Vidigueira: O declínio da produção do vinho em talhas de barro e a arte da construção das vasilhas foi perdendo gradualmente importância acentuada, sobretudo, no século passado, na medida em que se adotaram novas tecnologias influenciadas pela enologia francesa iniciando-se então uma rutura tecnológica, económica e cultural com as tradições. A emergência dos vinhos contemporâneos correspondia às exigências de controle de qualidade dos vinhos pelos mercados e pelos novos hábitos de consumo.
A sobrevivência da tecnologia de produção de talhas e recipientes vitivinícolas quase desapareceu do contexto alentejano. Se no Alto Alentejo são conhecidos dois polos essenciais na produção de talhas (São Pedro do Corval, no concelho de Reguengos de Monsaraz e Campo Maior no Baixo Alentejo) não há referências conhecidas que nos permitam comprovar a existência de centros de produção. Atualmente, na vila de Vidigueira um empresário local estabeleceu uma atividade económica que reabilitou duas tecnologias de construção tradicional – telheiro e talheiro – e que reabilitou as esperanças de rejuvenescer a produção de talhas, ainda que de pequena escala, vocacionadas para produção tradicional de vinho. (R.Ruschel: Na foto abaixo, uma visita que fiz a um restaurante no Alto Alentejo que utilizava talhas como decoração; com a demanda em alta, provavelmente em breve estas talhas estarão produzindo vinhos.)
Os novos produtores de vinho recorrem à compra das talhas antigas que se encontram dispersas pelas adegas desativadas no século passado, e que ainda persistem nas nossas comunidades vinhateiras. No que respeita ao preço indicativo de uma talha com capacidade de 1000 litros estima-se como referência o consenso popular que estipula um preço de 1 euro por litro de capacidade.
R. Ruschel: Qual o papel das famílias na preservação da tradição do vinho de talha? Crianças, adolescentes e menores de idade costumam beber este vinho? A tradição ainda se mantém com as novas gerações nestes tempos de internet?
Equipe Vidigueira: O papel das famílias na preservação da produção pelo método tradicional de vinho em talhas de barro, foi, e é extremamente importante. Deve-se à produção em contexto familiar a perpetuação da tradição produtiva, pois esta assumia um papel preponderante na economia familiar, quer na perspectiva do consumo familiar, quer na comercialização. A produção, sempre em pequena escala, constituía o garante da subsistência da família, pois numa pequena parcela de terra onde se cultiva vinha ou olival, garantia um ciclo anual de rendimentos em duas épocas assente em dois produtos agrícolas – vinho e azeite – de grande valor económico, que conjuntamente com o pão constituem a base da alimentação na região do Alentejo. (Na foto abaixo, paisagem vinhateira do Concelho de Vidigueira, com o mosaico das pequenas propriedades familiares.)
Quanto ao consumo de vinho pelas crianças, jovens e adolescentes, se outrora era um hábito, generalizado e arreigado nas comunidades rurais, pela evolução educacional e cultural, foi-se desvanecendo e saindo dos hábitos do quotidiano. Contudo o retomar das tradições para as quais muito contribuiu, no concelho de Vidigueira, a Associação de Desenvolvimento Local VITIFRADES, que organiza há 20 anos as Festas Báquicas, os jovens voltaram a interessar-se em conhecer, aprender e degustar o vinho de talha.
Atualmente, verifica-se que a iniciação e contato com o mundo do vinho de talha acontece na juventude e adolescência com o envolvimento dos jovens nas primeiras vindimas, onde gastam de forma enérgica e entusiástica as tenras energias e esforços. Em muitas famílias, em virtude das razões da modernidade associadas aos compromissos com a escola e com a construção das trajetórias profissionais, muitos jovens descoincidem com a âncora cultural e económica da comunidade mas também muitos outros, apesar desse compromisso com o futuro, teimam em manter vivas as tradições culturais que lhe foram transmitidas e que estão bem presentes nas suas comunidades.
R. Ruschel: Porque frequentemente se vê pessoas bebendo o vinho de talha em copos e não em taças? Isto não altera a percepção dos aromas do vinho como argumentam sommeliers e enólogos?
Equipe Vidigueira: No Alentejo sempre se bebeu o vinho de talha utilizando pequenos copos de vidro e barro pois a civilização do vinho e a civilização do barro sempre foram íntimas e próximas e estabeleceram numa relação simbiótica. O ato de beber para o alentejano assume um contexto específico que é por ele acarinhado pois nele se revê e coloca a hipótese de adotar outro para beber o seu vinho de talha. A pequenez do copo confere-lhe a exata medida da quantidade que se quer beber e a forma como se bebe. A beleza da humildade na moderação no consumo do vinho do trabalho, do convívio com os amigos está intrinsecamente ligada à necessidade de adaptar as quantidades e frequência dos consumos ao volume da produção disponível. (Na foto abaixo, uma tradição que passa de pais para filho: a prova do vinho novo à bica.)
A educação do gosto para o consumo está culturalmente e intrinsecamente estabelecida nas comunidades e a capacidade de apreciar, degustar, distinguir ou comparar as propriedades dos vinhos pelos amigos e fazedores têm uma escala de perceção que tem uma métrica sensorial própria que se assume como um código próprio conhecido entre os alentejanos.
R. Ruschel: Quais os pratos da culinária da vida quotidiana do cidadão de Vidigueira que costumam ser servidos para comer-se com o vinho de talha?
Equipe Vidigueira: Petiscos e pretextos: pão, queijo, azeitonas, torresmos, toucinho, favas fritas, tremoços, rábano, marmelo, pêro, linguiça e paio, ovos com cilarcas, ovos com espargos. Pratos locais e regionais: sopas de espinafres, sopas de cação limado, açorda de alho alentejana, migas, gaspachos, cozido de grão, carne de porco alentejana, favas com chouriço, ervilhas com ovos, ensopado de borrego.R. Ruschel: As recentes citações e avaliações à qualidade do vinho de talha como a da inglesa Jancis Robinson tem tido algum efeito no aumento da produção, no preço ou no interesse dos produtores? Percebe-se aumento de interesse da imprensa especializada em vinhos pelo vinho de talha? Este interesse também tem aumentado em publicações ou midias não especializados em vitivinicultura?
Equipe Vidigueira: O interesse crescente pelo vinho de talha é suscitado pela motivação dos consumidores dirigida para os vinhos naturais, históricos e cuja herança tecnológica permite proporcionar-lhes novas experiências degustativas menos normalizadas e padronizadas como as obtidas com os vinhos contemporâneos. (RR – Abaixo: o vinho de talha vem despertando o meu interesse em detalhes…)
Por outro lado, o valor da redescoberta da história associada aos vinhos de talha e a sua exclusiva autenticidade e forte componente identitária proporcionam os ingredientes para que os olhares da renovada atenção da imprensa escrita especializada se virem cada vez mais para as técnicas tradicionais com caráter simples na produção do vinho de talha. Evidenciando, assim, o interesse e curiosidade pelas castas autóctones e por todo o património cultural material e imaterial dos territórios onde a manifestação do bem ocorre.
Sim, também o interesse do vinho de talha tem sido estendido à imprensa não especializada, que contribui também muito favoravelmente para a divulgação popular do vinho de talha.R. Ruschel: Quais as empresas vitivinicolas do Alentejo que estão produzindo vinho de talha com objetivos comerciais? Ou que se saiba que pretendem fazê-lo a curto prazo?
Equipe Vidigueira: No plano do concelho de Vidigueira existem produtores certificados de vinho de talha que podem ser consultados através no site da Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo cujo link reproduzimos http://www.vinhosdoalentejo.pt/pt/produtores/
Neste grupo incluem-se alguns produtores de vinho de talha que reintroduziram esta prática em adegas de vinhos contemporâneos como também os que se dedicam exclusivamente à produção de vinhos naturais. A par desta realidade encontramos um grupo de produtores, cerca de 40 produtores tradicionais e informais na sua maioria não certificados e um grupo mais restrito em fase de organização do processo de certificação. (RR: A Adega Cooperativa Vidigueira Cuba e Alvito criou um espaço próprio para alojar sete talhas e em 2017 vinificou cerca de 4 toneladas de uva – veja na foto abaixo.)
Noutro plano o interesse suscitado pela prática tem influenciado muito uma nova geração de entusiastas e apaixonados dos vinhos naturais e tradicionais entre os quais destacamos jovens, enólogos e produtores de vinhos contemporâneos nacionais e estrangeiros que se inserem numa nova vaga que procura o Alentejo e em particular a região de Vidigueira para aprender a tecnologia produtiva e familiarizar-se com os métodos de vinificação e as vivências das comunidades do território.
R. Ruschel: Como está se organizando o grupo de entidades e pessoas que estão trabalhando na formatação de uma proposta a ser apresentada a Unesco sobre o vinho de talha? O processo tem custos muito elevados? Quem está custeando as despesas?
Equipe Vidigueira: Considerando a importância histórica, cultural e social deste legado, os municípios e entidades regionais assumiram o compromisso de proteger e salvaguardar a tecnologia e método de vinificação de vinho de talha e propuseram-se assegurar a sua proteção, conservação e gestão adequadas.
Com o propósito e missão de garantir a preservação da integridade e autenticidade do bem cultural, sustentado pela singularidade da tecnologia e método de vinificação do vinho de talha, o Município de Vidigueira em parceria com outros atores institucionais e representantes dos territórios, em que a sua presença cultural se manifesta, e demais parceiros, decidiram fundamentar e apresentar a proposta de inscrição do Processo tradicional de produção de vinho no Alentejo, designado como Vinho de Talha, no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial e a posterior intenção de candidatura de inscrever na lista indicativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade. (RR: na foto abaixo uma das reuniões do coletivo que se mobiliza pela campanha).
O município de Vidigueira lançou o repto aos representantes dos territórios e constituiu-se um grupo de 23 municípios, que asseguram a representatividade dos territórios da Região Alentejo onde se manifesta a preservação da prática tradicional de produção de vinho de talha. Os municípios envolvidos participam com recursos técnicos internos que contribuirão para o desenvolvimento dos trabalhos que se prevê que venham a contemplar as seguintes fases metodológicas:
Fase 1 – Estudo e investigação que compreenderá a fase preparatória de recolha e analise de informação e dados tendentes à instrução do processo de inscrição do Processo Tradicional de Produção de Vinho de Talha no Inventário Nacional do Património Cultural e Imaterial e do dossier de candidatura para inscrição do mesmo na Lista do Património Cultural e Imaterial da Humanidade;
Fase 2 – Preservação, Salvaguarda e Promoção que inclui a Submissão de candidatura ao Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial e à Lista do Património Cultural e Imaterial da Humanidade bem como definição de Plano de Salvaguarda do Processo Tradicional de Produção de Vinho de Talha;
Fase 3 – Dinamização económica e turística que pressupõe a valorização dos territórios e dos seus atores económicos e turísticos numa lógica de criação de novas oportunidades de aproveitamento do potencial assente na identidade cultural e social do Vinho de Talha e das comunidades vinhateiras pois a economia do vinho de talha tende a ampliar-se e a consolidar os vinhos naturais como propostas de elevado valor acrescentado ainda que numa escala de produto slow made.
O processo está em estruturação não podendo desde já ser avaliado o custo efetivo dos compromissos a assumir com a candidatura. Contudo todos os custos originarão uma repartição justa, equilibrada e proporcional pelos parceiros envolvidos.
R. Ruschel: Como é feita uma proposta deste tipo a Unesco? Quais as etapas? Qual o cronograma de trabalho?
Equipe Vidigueira: A proposta de classificação dos bens culturais de cariz material e imaterial obedece a um postulado regulamentar e legislativo nacional e internacional, a respeitar na organização de todo o processo, destacando-se as orientações e recomendações primordiais definidas pela Convenção de Salvaguarda do Património Cultural Imaterial de 2003. As etapas já referidas acima refletem e estruturam o planeamento das ações de investigação e organização do processo de candidatura cuja calendarização está a ser definida e consensualizada pelos parceiros.
R. Ruschel: O que de fato é decisivo para os especialistas da Unesco reconhecerem o processo produtivo do vinho de talha como um Patrimônio da Humanidade?
Equipe Vidigueira: Quando se contextualiza a abordagem aos conceitos de património cultural e património cultural imaterial é importante entender os significados e as implicações de interpretação e análise da delimitação do bem à luz das especificidades que lhe são próprias.
Património é genericamente o conjunto de bens populares, cultos, tradições materiais e imateriais reconhecidos, pela ancestralidade, pela importância histórica e cultural de um país, uma região, uma localidade ou de uma comunidade, para os quais têm um valor único. (RR: Na foto abaixo as reuinas da Villa Romana de São Cucufate, em Vidigueira.)
O conceito de Património cultural imaterial: aparece definido na Convenção de 2003 da Unesco e abrange as expressões culturais e as tradições, como por exemplo, os saberes, os modos de fazer, as formas de expressão, os costumes e as tradições, com valor inestimável para as comunidades, regiões e países.
Perante estes conceitos olhando para o vinho de talha, para a região da Vidigueira em particular e para o Alentejo em geral, percebe-se claramente que estamos perante um modo de fazer vinho que passou de geração em geração até aos nossos dias e que faz parte da nossa expressão cultural, das nossas tradições e apresenta-se como uma arte com um valor inestimável para as comunidades.
É esta singularidade no modo de fazer, criar, vivenciar e partilhar vinho na sua simplicidade, com pouca tecnologia onde estão intimamente envolvidos a arte e o saber, numa demonstração clara de autenticidade, cuja continuidade temporal e histórica perdurou ao longo de 2 milénios, que poderá sustentar os consensos necessários para que a UNESCO reconheça a imaterialidade da produção de vinho de talha como Património Cultural Imaterial da Humanidade. Em suma classificar é o ato final de todo um processo administrativo através do qual se determina que um bem possuí um valor cultural inestimável.”
Por enquanto é isso, meus caros leitores ou leitoras. Como jornalista aprendi sobre vinho de talha com profissionais da Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito (ACVCA) como José Miguel de Almeida, presidente (com quem estou na foto abaixo) e o enólogo Luis Leão Morgado; Luís Bio e Manuel Bio (da Encostas da Alqueva) e Zé Manuel Piteira, famoso enólogo dos vinhos de talha de Amareleja.
Vou continuar acompanhando este processo para que meus caros leitores ou leitoras possam entender como e porque pode se valorizar a Cultura do Vinho.
Atualização em 01/08/2018 – dia 31 de julho de 2018 vinte municípios e sete entidades do Alentejo aderiram formalmente ao processo de candidatura do vinho de talha a Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Os participantes (veja foto abaixo) consideram que a salvaguarda de um bem cultural do território alentejano ajuda a compreender a origem das raízes e da identidade cultural e se comprometem a se unir para valorizar e promover “uma das heranças culturais que nos une e distingue”. José Calixto, Presidente do Conselho de Reguengos de Monsaraz e importante liderança política no Alentejo, relatou sobre o evento do qual participou nos Paços do Concelho de Vidigueira. Veja a seguir duas fotos do evento: Calixto com dirigentes de Vidigueira e os demais prefeitos. Disse Calixto: “PROCESSO TRADICIONAL DE PRODUÇÃO DE VINHO DE TALHA A PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL DA HUMANIDADE. Estivemos ontem presentes na Cerimónia de Assinatura do Protocolo de Cooperação Institucional e Técnica do Projeto de Candidatura do “Processo Tradicional de Produção de Vinho de Talha a Património Cultural Imaterial da Humanidade”, celebrado .Momento importante para duas dezenas de Municípios preocupados na preservação deste Importante Património Imaterial das nossas Comunidades.”
In Vino Viajas vai acompanhar o processo.
Saiba mais em “Conheça o Vila Alva Vinhas Centenárias, o vinho de talha de videiras centenárias da Adega Cooperativa da Vidigueira aqui: https://goo.gl/La3r36