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Por Rogerio Ruschel
Especial “DOs na Espanha – 3”. Meu prezado leitor ou leitora, cumprindo a vocação de fazer jornalismo e storytelling de real qualidade sobre a cultura do vinho, In Vino Viajas publica uma historia que você só vai ler aqui: o que é e como trabalha a rede de Pequenas Denominações de Origem (DOs) da Espanha. A rede congrega centenas de pequenos produtores de 59 regiões vinícolas de pequeno porte no país (veja o mapa no quadro abaixo).
Todas as adegas são certificadas por um padrão de qualidade similar ao das grandes DOs e os vinhos são competitivos em prêmios internacionais. Adegas como a do jovem empresário da Bodega Bernaveleba, na Pequeña DO Vinos de Madrid da foto de abertura e da Bodega Vitheras, da Pequeña DO Cangas de Narcea, abaixo. Mas estes vinhos são uma raridade fora da Espanha porque o volume de produção é praticamente absorvido pelos próprios espanhóis com pouca exportação para europeus vizinhos. Para contar esta historia entrevistei José Luis Hernández, criador deste programa original e único – não existe outra associação similar no mundo.
Produzir vinho na Espanha é uma atividade de grande responsabilidade, envolvendo toda a família. O país tem a maior área de vinhedos do mundo, está entre os três maiores produtores, exportadores e também é um dos maiores consumidores de vinhos: em 2017 a exportação atingiu 2,8 bilhões de Euros! Para qualificar o produto, a Espanha tem 62 áreas geográficas produzindo vinhos certificados com um selo de Denominação de Origem (D.O.). Rioja é a mais conhecida, mas outras também tem prestígio internacional como a das Cavas da Catalunha (e também de Valência, Aragão, Navarra e Extremadura), dos vinhos Penedés, dos fortificados de Jerez de la Frontera e das Ilhas Canárias (foto abaixo), cujos vinhos eram os preferidos de William Sheakespeare e José Saramago – veja aqui: http://www.invinoviajas.com/2014/01/conheca-o-vinho-malvasia-que-nasce-na/
Pois a produção de vinhos certificados na Espanha não se limita apenas as 62 grandes regiões vinícolas de grande porte com DO, mas também a 59 pequenas regiões que participam da organização das Pequeñas DOs de España. Veja a seguir a entrevista com José Luis Hernández, licenciado em marketing pela Universidad Autónoma de Madrid, ex-diretor de marketing e exportação da Bodegas Don Alvaro de Luna e da Hispanobodegas; Embaixador dos Vinhos das Ilhas Canárias e diretor da Pequeñas DOS de España.
R.Ruschel – O que caracteriza uma Pequena DO? Quais são os critérios: área plantada, casta de uvas, número de associados; o critério é identidade cultural?
J.L.Hernández – Para uma região vinícola ser considerada uma Pequena DO dois requisitos devem ser atendidos: critérios de qualidade e quantidade.
Critérios de Qualidade: Ser incluído nos quatro degraus mais altos da pirâmide de qualidade dos vinhos espanhóis. Neste quadro (veja abaixo) você pode ver como existem 6 categorias em termos de qualidade de vinhos na Espanha, com os mais altos vinhos de Pago e os mais baixos vinhos de Mesa.
Bem, para uma região vinícola ser considerada uma Pequena D.O. o primeiro critério que deve atender é pertencer a qualquer uma das 4 maiores categorias desta pirâmide; no total, nós reunimos um total de 59 regiões vinícolas com esta distribuição:
1. Vinhos de Pago (existem 14 Pequena D.O.s)
2. Vinhos com Denominação de Origem Qualificada (há 1 Pequena D.O.)
3. Vinhos com Denominação de Origem (existem 37 Pequenas D.O.s)
4. Vinhos com IGP (Indicação Geográfica Protegida) (existem 7 Pequenas D.O.s nesta categoria)
Nós não consideramos de Pequena DO os vinhos produzidos como Vinos de la Tierra, nem os vinhos produzidos como vinhos de mesa.
Critério de Quantidade – O segundo critério que uma região de vinho deve atender para ser considerada como Pequena DO é ter uma produção abaixo de 4,5 milhões de garrafas; estes dados são publicados pelo MAGRAMA (Ministério da Agricultura) e são os dados oficiais de quilos coletados em cada região vinícola.
R.Ruschel – Para ser certificada uma Pequena DO precisa de uma certificação oficial? Quem certifica? Quem controla?
J.L. Hernández – As Denominações de Origem precisam da certificação da União Europeia, a partir de Bruxelas; nossa empresa simplesmente promove as DOs com o selo que lhes foi concedido pela União Européia.
R.Ruschel – Existem organizações similares como as Pequenas DOs da Espanha em outros países? Você troca informações com essas organizações?
J.L. Hernández – Não conheço a existência de organizações semelhantes a nossa em outros países, sabemos que nem a França, Itália ou Portugal tem uma organização privada como a nossa para tentar impulsionar pequenas regiões produtoras de vinho em seus respectivos países.
R.Ruschel – Como o Projeto Pequenas DOs é financiado?
J.L. Hernández – O projeto Pequenas DOs é um projeto totalmente privado que não recebe nenhum tipo de ajuda pública. Para financiar o que fazemos organizamos eventos, degustações e feiras com a ideia de promover as vinícolas dessas Pequenas DOs. Uma das ações mais importantes na mídia tem sido a organização do Concurso Nacional de Vinhos Pequenas DO (fotos abaixo), um concurso de vinhos do qual só podem participar os vinhos das vinícolas que pertencem a uma das nossas Pequenas DO’s.
R.Ruschel – Qual a importância das Pequenas DOs espanholas para o país nas dimensões econômica, social, cultural e vitivinícola? Os últimos relatórios de enoturismo mostram que cerca de 2,5 milhões de visitantes estiveram nas (grandes) Rotas do Vinho certificadas em 2017. Como inserem as Pequenas DOs da Espanha neste contexto de visitação e atração turística?
J.L. Hernández – Além de buscar a promoção de pequenas regiões vinícolas espanholas, o projeto Pequenas DOs também tem outros propósitos sociais, não necessariamente econômicos:
1. Objectivos Ambientais – O fato de promover os vinhos produzidos nestas pequenas regiões vinícolas também nos leva a proteger a vinha de alguma forma. Nos últimos anos, a Espanha abandonou cerca de 60% da área de vinhedos plantados, o que significa contribuir para o desmatamento de terra. Nosso projeto tem como objetivo contribuir para a manutenção da vinha e, em alguns casos para recuperar vinha praticamente perdida, o que é, sem dúvida, uma forma de proteger a terra e contribuir para a sua manutenção.
- Objectivos Sociais – Regiões vinícolas pequenas nas quais nos concentramos estão localizadas em ambientes com uma alta taxa de abandono da população, porque os jovens não encontram nessas áreas incentivos financeiros para se estabelecer no território. Por essa razão nosso projeto busca fixar a população nessas áreas vitivinícolas nas quais a população é reduzida com o passar dos anos.
- Objectivos económicos e Turismo Rural – Apostar no vinho destas regiões vitivinícolas, atrairá outros tipos de investimentos relacionados com o setor vitivinícola, sendo o turismo rural um dos setores que logicamente serão atraídos.nestas pequenas regiões vitivinícolas.
R.Ruschel – Quais são os principais desafios enfrentados pelas Pequenas DOs na Espanha nos próximos 10 anos?
J.L.Hernández – Um dos grandes desafios que as pequenas regiões vitivinícolas enfrentam é o desafio de saber escapar à globalização alcançada em todos os setores econômicos em geral e no setor vinícola em particular. Quando falamos em fugir da globalização, queremos dizer que as nossas Pequenas DOs devem continuar a produzir com base nas variedades da sua própria região vinícola e não copiar os vinhos que são feitos em outras partes do planeta, uma vez que são mais comerciais e mais fácil de vender do que vinhos feitos com as variedades dessas áreas de produção. Muitas das nossas Pequenas DOs produzem vinhos com suas próprias variedades que não são conhecidas internacionalmente e portanto, é mais difícil vender vinhos feitos com estes variedades. Este é o principal desafio: manter a identidade.
Meu caro leitor ou leitora, informo que por enquanto os produtores não pensam em trazer estes vinhos para o Brasil. Pelo menos por enquanto…