Fique esperto: saiba como a rolha de cortiça preserva os aromas do seu vinho e os recursos do nosso planeta.

Tempo de leitura: 6 minutos

Por Rogerio Ruschel (*)
Meu prezado leitor, nosso planeta realmente precisa de ajuda: a partir de 19 de agosto, no restante deste ano de 2014 estaremos consumindo mais recursos naturais do que o planeta consegue repor. Neste que é o Dia da Sobrecarga da Terra (Overshoot Day), medido pelo Global Footprint Network (GFN), entramos “no vermelho” em termos de estoque de recursos – e aquela corujinha do Alentejo, Portugal, que está na foto de abertura, está atenta ao que fazemos.
Eu procuro ajudar como consumidor, inclusive de vinhos: além de procurar rótulos ecológicos ou biológicos, procuro evitar garrafas com tampas de plástico ou alumínio, porque são feitas de recursos finitos, além de – cá prá nós – serem feias. E como  jornalista gostaria que você soubesse que a cortiça ajuda porque é um dos poucos materiais construtivos que é 100% natural, 100% ecológico e 100% reciclável – além de 100% eficiente para selar garrafas de vinho.
Ou seja: além de preservar as qualidades do vinho, a cortiça ajuda a preservar recursos naturais como as abelhas (acima, produzindo mel no Algarve português) que polinizam flores e frutas e que, caso você não saiba, estão misteriosamente desaparecendo do mundo.
A cortiça é obtida a partir da casca do sobreiro (veja as fotos acima), uma árvore da espécie Quercus, típica de ecossistemas da bacia mediterrânica e litorâneos do sul da Península Ibérica e com influência atlântica (veja  mapa abaixo).
Em Portugal – produtor de 53% da cortiça do mundo e também o principal importador – este ecossistema se chama Montado de Sobro (foto abaixo) e representa cerca de 21% da área florestal do país.
Espécie protegida por lei há séculos (em Portugal desde a Idade Média), o sobreiro chega a atingir 25 metros e 300 anos de vida e além de seu grande valor econômico, ajuda a preservar áreas gigantescas – cerca de 2 milhões de hectares nos sete países da bacia mediterrânica do mapa acima. Em Portugal cerca de 730 mil hectares de Montado de Sobro formam um santário de biodiversidade que protege mais de 60 espécies de aves, 24 de répteis e anfibios, 37 mamiferos e centenas de espécies de plantas – segundo pesquisadores, cerca de 135 diferentes plantas por hectare. Entre os animais protegidos estão o Lince Ibérico e a Cegonha, abaixo.
Como é uma árvore grande, alta e tem uma longa vida, o sobreiro estabiliza ciclos naturais, ajuda a preservar o solo, recicla nutrientes e água, produz matéria orgânica em bom volume, reduz a velocidade dos ventos e pelo fato da cortiça ser um ótimo isolante, ajuda a evitar incendios florestais.  E nestes tempos de crise de recursos do planeta, meu caro leitor, a cortiça tem outra qualidade muito valiosa: é um material altamente ecoeficiente, do qual nada se perde.
A cortiça é retirada (fotos acima e abaixo) a partir de 25 anos de idade do sobreiro, e a partir daí, de nove em nove anos, em média. Mas para uso em garrafas de vinho a cortiça só apresenta condições ideais a partir do terceiro descortiçamento, quando a árvore vai estar com cerca de 43 anos de idade. Aliás, isso quer dizer, meu caro leitor, que a rolha de sua garrafa pode ter uns 50 anos de vida e ser mais “velha” do que o próprio vinho, mesmo dos melhores vinhos de guarda.
Então quando a cortiça ainda não está adequada para se fabricar rolhas, é utilizada em dezenas de indústrias, especialmente para design e mobiliário; os resíduos industriais da produção tem alto valor em indústrias técnicas (automobilistica, aeroviária, ferroviária, vedantes) e até mesmo o pó de cortiça é utilizado para geração de energia “limpa”. E é claro, a cortiça é 100% reciclável. Veja abaixo placas de cortiça prontas para beneficiamento.
Além disso, a pegada ambiental da cortiça é muito pequena: as florestas portuguesas de Montado de Sobro fixam até 1 milhões de toneladas de CO2 por ano e as rolhas de cortiça emitem 10 vezes menos CO2 do que rolhas de plástico e 24 vezes menos do que cápsulas de metal! E se considerarmos também aspectos econômicos, sociais e culturais, a rolha de cortiça vai continuar sendo a minha predileta. A agregacão de valor econômico da indústria da cortiça para Portugal significa 30% do PIB da agricultura, 16.500 empregos diretos e milhares de empregos indiretos associados a atividades que existem em função da preservação do Montado de Sobro, como agricultura familiar, produção de animais domésticos, mel e cera; produção de carvão, pesca e turismo.
Para os sete países mediterrânicos produtores (Portugal, Espanha, Marrocos, Argélia, Tunísia, França e Itália) a atividade corticeira significa a geração de cerca de 100 mil postos de trabalho – e olha só essa: a extração da cortiça, por sua delicadeza e especialização é o trabalho agrícola mais bem pago do mundo!
E para completar, saiba que a rolha de cortiça protege a qualidade do vinho agregando valor à saúde. Explico: quando em contato com o vinho os taninos e flavonóides da cortiça (também presentes no vinho) formam compostos antioxidantes, antibacterianos e anticancerígenos que ajudam a diminuir o risco de doenças cardiovasculares e degenerativas.
Pois é, meu caro leitor, e tudo isso preservando a qualidade integral do vinho, especialmente desde 1997 com a adoção do CIPR, um conjunto de normas de fabricação de rolhas de cortiça que praticamente elimina a possibilidade dela contaminar o sabor do vinho. Na verdade esta capacidade de preservação já havia sido demonstrada na vida real, quando 70 garrafas de champanhe produzidas entre 1782 e 1788 pela Veuve Clicquot foram encontradas no fundo do mar Báltico, entre a Finlândia e a Suécia, e se constatou que as rolhas de cortiça as tinham mantido intocadas por mais de 200 anos! (foto abaixo)
Então fica fácil entender porque eu – e mais de 80% dos consumidores e vinhos – preferimos rolhas de cortiça. E entre estes consumidores acrescento o depoimento de uma personalidade de prestígio internacional e venerável consumidor de vinhos, o Príncipe Charles do Reino Unido (aliás, um grande ambientalista, presidente de honra da ONG WWF), que disse em discurso no evento Euronatur, em 2002, na Alemanha,  que “Não entendo a razão pela qual alguém quer colocar uma rolha feia e sintética no gargalo de uma garrafa de vinho, mas isso certamente causa impactos negativos a longo prazo”. 

Faço um brinde à rolha de cortiça e a todas as pessoas de que procuram ajudar o planeta em seus hábitos de consumo no dia-a-dia: tim-tim!

Saiba mais:
* Sobre o aquecimento do planeta e a indústria do vinho – http://www.invinoviajas.com/2014/01/os-impactos-do-rechauffement-de-la/
* Sobre como a reciclagem de rolhas está criando pranchas de surf: http://www.invinoviajas.com/2014/07/jovens-empreendedores-da-espanha/
* Sobre a cortiça: http://www.apcor.pt/
(*) Rogerio Ruschel é jornalista, mora e trabalha em São Paulo, Brasil, onde também é consultor especializado em sustentabilidade empresarial.

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