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Por Rogerio Ruschel (*)
EXCLUSIVO – Meu prezado leitor ou leitora, Didu Russo, o elegante cavalheiro da foto acima, é um dos mais conhecidos críticos de vinhos do Brasil, porque além de ter conteúdo, é apaixonado pelo que faz. Didu abandonou uma carreira no mundo das comunicações para trabalhar com vinhos e hoje, quase 20 anos depois, como ele mesmo diz, “consegui conquistar espaço sendo eu mesmo e sem precisar concessões, mesmo vivendo de publicidade. Não vendo vinho e não trabalho para nenhum produtor ou importador.” Eduardo (Didu) Russo, casado e pai de tres filhos, é culto, gentil e educado e trabalha para ajudar consumidores e profissionais a conhecer e valorizar vinhos bons, vinhos brasileiros e vinhos naturebas – talvez nesta ordem. Didu Russo me concedeu esta entrevista exclusiva em duas etapas – numa delas (foto abaixo) ele estava sem uma de suas mais de 100 gravatas borboleta – uma raridade.
Ruschel – Você é um profissional de marketing e comunicação, trabalhou em emissoras de TV e na maior editora da America Latina. Quando saiu e porque?
Didu – Sou oriundo da área de marketing e comunicação. Trabalhei por trinta anos em veículos de comunicação na Editora Globo, Editora Manchete, Gazeta Mercantil, Editora Abril, SBT e TV Record, além de ter tido uma produtora de vídeo. Deixei o mercado por absoluto tédio com a invasão de jovens burocráticos e com a excepcional falta de ética que invadiu a publicidade nos anos 90. O que era charmoso, pagava bem e tinha uma certa ética, descambou, pagando mal, perdendo o charme e com devoluções de comissões de agência para o cliente ou funcionário do cliente e levando o mercado a viver de bonificações das emissoras/editoras. Me desencantou demais e até hoje me incomoda ver a expressão “Marketing” usada como sinônimo de engodo. Mas foi bom pois fui para o vinho onde sou muito feliz. Na foto abaixo, em foto de Gladstone Campos.
Ruschel – O que você tem a ver com a Fecomércio?
Didu – Sou Diretor do Cecomercio, que é o Centro do Comercio, um braço da Fecomercio que tem mais liberdade de ação. Lá fui convidado a usar a entidade para o vinho, já que o comercio de São Paulo representa mais de 50% do consumo nacional da bebida. Então criamos o Comitê do Vinho que fez muito sucesso com os Debates do Vinho Fecomercio em 2012 com a questão do Selo Fiscal e em 2013 com a questão das Salvaguardas. Acho que cumprimos nosso papel. Hoje o Comitê do Vinho infelizmente foi suspenso, pois de um lado a Fecomercio estava preocupada em ter mais gente do comércio do vinho na entidade – o que não aconteceu – e de outro lado o Comitê não teve a adesão do setor, como acontece sempre no vinho. Todos gostam de ver alguém carregando o piano, mas poucos o carregam; neste caso foram muito poucos os que se mantiveram participantes.
Ruschel – Desde quando você trabalha com vinhos? O que ainda gostaria de fazer? Hoje você trabalha apenas com vinhos?
Didu – Meu trabalho com o vinho começou em 1998 com um bar de vinhos que abri antes da hora e quebrou, porque eu vendia 32 vinhos em taça, até Barolo tinha em taça! Claro que não funcionou em 1998, estava muito a frente, porém lá nasceu a Confraria dos Sommeliers (que reúne os principais Sommeliers de SP mensalmente para degustar algum tema); lá nasceu um curso, o “Nem Leigo Nem Expert, que virou livro impresso (esgotado) e em versão áudio livro (disponível) e lá nasceu o Didu Russo, colunista de Vinhos. Hoje meu trabalho no vinho se resume a fazer palestras, editar meu site www.didu.com.br <http://www.didu.com.br> , o que não é pouco, uma vez que todos os dias tenho no mínimo um post, escrever artigos para várias publicações e participar de degustações, almoços, jantares, eventos, feiras, viagens, etc. Eu adoro o mundo do vinho pois consegui conquistar espaço sendo eu mesmo e sem precisar concessões, mesmo vivendo de publicidade. Não vendo vinho e não trabalho para nenhum produtor ou importador.
O Brasil poderia ter instantaneamente dez vezes mais consumidores do que tem, mas o setor não se mexe para isso e a imprensa do vinho ídem, usando termos sofisticados, fazendo da bebida um mundo de Barões e Marqueses, coisa absolutamente distante da realidade.
Ruschel – O que é descomplicar o vinho?
Didu – Descomplicar o vinho para mim é falar com quem não sabe nada de vinho, sem espantá-lo. O Brasil poderia ter instantaneamente dez vezes mais consumidores do que tem, mas o setor não se mexe para isso e a imprensa do vinho ídem, usando termos sofisticados, fazendo da bebida um mundo de Barões e Marqueses, coisa absolutamente distante da realidade. O mundo do vinho não tem que ser sofisticado, tem que ser do complemento alimentar. Uma taça por refeição.
Ruschel – Voce é um grande incentivador de vinhos ecológicos, biodinâmicos, naturais, mais sustentáveis. Os naturebas são melhores (em sabor) do que os vinhos convencionais?
Didu – Sou mesmo um grande incentivador e apreciador de vinhos naturebas. Principalmente os biodinâmicos que “secondo me…” é a forma mais inteligente do ser humano lidar com a agricultura. Aqui é preciso separar as coisas e o assunto é longo, não vou cansar os seus leitores com isso, mas biodinâmicos são vinhos numa categoria acima dos outros. Orgânicos já são um caminho, mas biodinâmicos são bem acima em termos de sinceridade e sotaque do local. Os naturais, se forem de vinhedos biodinâmicos então são o supra sumo para mim atualmente, pois a ausência de SO2 adicionado, apenas o produzido pela própria fermentação da uva, refletem a realidade do lugar, do ano e do produtor. Inimitável e nunca se repetirá. Eu adoro isso num vinho, a sinceridade.
Ruschel – Isso já acontece em outros lugares do mundo?
Didu – Sim, no mundo todo se verifica esse caminho. Há inclusive várias feiras de vinhos assim, até a Vinitaly abriu espaço para o ViviT onde se encontram produtores naturebas de todo mundo. O segmento que mais cresce no mundo hoje, e não é só no vinho, é esse, o dos Orgânicos, Biodinâmicos e Naturais, embora já exista muita coisa falsa por aí por conta do modismo. Mas para mim é um movimento irreversível, pois o jovem lúcido quer consumir coisas puras e autênticas.
Ruschel – O Brasil já tem bons vinhos assim?
Didu- Sim, o Brasil tem vinhos assim que têm chamado a atenção de grandes craques do mundo do vinho, como Pierre Overnoy e Josko Gravner, por exemplo. Posso citar de cabeça os vinhos da Era dos Ventos, de Alvaro Escher e Luiz Henrique Zanini; do Atelier Tormentas, do Marco Danielle; do Eduardo Zenker das Vinhas da Loucura (este o mais livre e criativo de todos); da Marina Santos, da Vinha Una (a mais séria e dedicada, biodinâmica na raiz); da Lizete Vicari do Dominio Vicari; do De Lucca, do Vinhedo Serena, o primeiro vinhedo biodinâmico do Brasil; dos biodinâmicos da Santa Augusta de Santa Catarina; os do paulista Entre Vilas, para citar alguns. Sim, temos ótimos e vamos ter muitos mais.
Ruschel – Você é pai da Lis Cereja, sócia da Enoteca Saint Vinsaint. Você tirou a roupa para promover uma iniciativa da filha. Como foi isso? Foi bom pra você? Recebeu criticas?
Didu – Hahahaahahaaaa… não, não sou pai da Lis e nem sou dono da Enoteca Saint Vin Saint. Eu sou genro da Lis Cereja, bem que queria ter uma filha como ela. Linda, aplicada, inteligente, bem formada, cozinha como poucos, adora os Naturebas e vive como Natureba com seu marido Ramatis, este sim meu filho, o que está com a a galinha no colo naquela foto que fez tanto sucesso, ou ao menos grande repercussão… (veja foto acima). Eu já era para ter saído no ano anterior, mas estava viajando. Mas foi super tranqüilo, nós rimos a valer, não tenho o menor problema com isso não, porém tenho consciência que chocou muita gente, muitos me acham meio doido e sei que muitos têm uma inveja danada. Me divirto com isso. Para você ter uma idéia, a foto em minha página pública do facebook teve mais de cinco mil acessos em dois dias e ninguém fez um comentário sequer… hahahahhaaa acho que chocou a muitos. Nós nos divertimos e foi bom para promover a Feira de Naturebas que só cresce. Na foto abaixo didu com seus tres filhos.
Ruschel – Qual a verdadeira vocação do Brasil em vitivinicultura? Quais as uvas; quais os produtos; quais os canais; quais os mercados?
Didu – Eu acredito que o Brasil tem um potencial enorme em vitivinicultura, seja nos vinhos convencionais, seja nos Naturebas. A aptidão para espumantes é clara e confirmada na performance do segmento que sempre cresce e é o primeiro a ser elogiado por qualquer estrangeiro. Os Moscatéis deveriam ser pormocionados mais e os produtores deveriam perder a vergonha que têm desse produto. Para o europeu ele oferece menos dulçor e maior álcool que os Asti, eles adoram. Nos vinhos tintos começamos a desistir de copiar os vinho que não são. Antes queriam ser chilenos e começam a ver que seu caminho é o frescor e a fruta, acho que isso trará muito sucesso a eles. Os Naturebas, como disse anteriormente, têm grande potencial e vão crescer muito acredito. Com o tempo os consumidores vão procurar vinhos que reflitam seu lugar. Isso terá muito valor.
Porém considero que o Brasil precisa se assumir como um novo local para vinhos. Não podemos imitar, temos que ter orgulho de nosso sotaque. Não há cabimento querer fazer um vinho que não tem aptidão do clima ou solo. Os vinhos que se está conseguindo com poda invertida estão apresentando ótimos resultados; agora mesmo acabo de voltar do Concours Mondial Bruxelles Edição Brasil, onde um dos medalhados foi um syrah feito com poda invertia em Campos do Jordão! Quem poderia imaginar isso? É o ser humano se adaptando ao local dentro de seu conhecimento. Há limites, não se pode querer produzir vinho onde não haja aptidão, acredito.
Considero que se deve tentar tudo e vender ao mundo essa curiosidade, esse inusitado, esse exotismo. Penso que o estrangeiro quer se surpreender com algo autêntico, bom, mas que tenha personalidade. O Rio Sol, dos portugueses da ViniBrasil é um desses casos. Disse a eles que se fosse jovem, seria representante deles na Europa e ficaria rico. Explico: eles snao produzidos em um lugar onde é a poda e a irrigação que determinam a safra e em uma fazenda dividida em 25 parcelas, onde a cada 15 dias se tem uma colheita! Eu iria fazer uma caixa com 12 safras do mesmo vinho, do mesmo ano. Quem tem isso? Um Rio Sol Syrah 2012/Janeiro, um 2012/fevereiro e assim por diante. Que consumidor de vinhos não iria querer conhecer isso? Quem pode oferecer isso?
Aroma como xixi de gato do Sauvignon Blanc de Bordeaux é legal e o picles de Farroupilha é defeito? O animal em Bordeaux é legal, mas o bacon do Zenker é defeito?
Então acredito que estamos engatinhando no mundo vinho por aqui. Não sabemos nada de nosso terroir. Os vinhos do Zenker têm em seu primeiro ano um traço de aroma de bacon!? Depois desaparece… Também os vinhos de De Lucca que apresentam um traço de picles!? Seria Terroir dele? Se o vinho usa as próprias leveduras e não tem interferência, acredito que sim, mas quem sabe? O que se estudou de lá? Mas os críticos torcem o nariz e preferem decretar que se trata de defeito para não saírem de sua zona de conforto de uma roda de aromas desenvolvida no século passado para vinhos de Bordeaux. Ora, eu pergunto: Quer dizer que aromas como xixi de gato do Sauvignon Blanc de Bordeaux é legal e o picles de Farroupilha é defeito? Que o animal em Bordeaux é legal, mas o bacon do Zenker é defeito? Secondo me falta humildade da crítica. Falta humildade para se aprender com o vinho brasileiro. Terroir não é algo que todos conhecem e muito menos que replica Bordeaux. Há que estudar, testar e conhecer – e isso leva séculos. Mas vejo enorme potencial para nossos brasucas.
Ruschel – Qual o melhor terroir do Brasil? Você acredita que o Brasil tem muitos terroirs ainda não conhecidos, como no Estado de São Paulo?
Didu – Acho que qualquer pessoa que decrete um “melhor terroir” brasileiro está sendo inconseqüente. Não temos história para isso. Quem conhece o terroir de São Bento do Sapucaí? Lá o Rodrigo Veraldi produz diversas castas, com cultivo orgânico e com cobertura de plástico na época de chuvas para não ter que lançar mão da poda invertida, seus vinhos são de leveduras indígenas (algo que considero fundamental para se poder discutir terroir), muito poucos conhecem, mas é uma amostra. Porém em São Paulo há um estudo da Embrapa feito a pedido do SPVinho, entidade que deverá incentivar e apoiar o desenvolvimento do vinho paulista que mostra a similaridade de clima de 90% do Estado de São Paulo, com zonas conhecidas e famosas da Europa. (Veja este mapa acima). Aliás, o primeiro vinho comercial brasileiro foi o de Bras Cubas, feito no bairo do Tatuapé. Agora será feito um cruzamento com informações do solo e será montado um mapeamento disso. Por tanto, considero que somos um bebê engatinhando e com grande futuro. O Brasil, acredito, vai quebrar muitos paradigmas do vinho.
Ruschel – Quais as tres grandes políticas públicas que o Brasil precisa para obter competitividade na produção de vinhos?
Didu – Acredito que o governo brasileiro poderia fazer muito pelo vinho: Como você me pediu tres, diria:
a) Desburocratizar o setor considerando o Vinho como Alimento
b) Reduzir ao menos a 1/3 os valores dos 22 tributos que oneram o produtor do vinho e encarece a bebida ao consumidor final
c) Promover uma campanha pública de esclarecimento sobre a importância de se consumir 1 taça de vinho por refeição – até por questões de saúde
Com essas tres iniciativas não tenho dúvidas que nos tornaríamos um dos maiores produtores e consumidores de vinho do planeta, inclusive o vinho de mesa.
Com essas tres iniciativas não tenho dúvidas que nos tornaríamos um dos maiores produtores e consumidores de vinho do planeta, inclusive o vinho de mesa.
Ruschel – O que é enoturismo prá você? Como deve se realizar – na adega e/ou na comunidade? Deve ser restrito aos vinhos ou abranger o ambiente cultural?
Didu – Considero que enoturismo deva ser um conjunto da cultura local nas regiões produtoras de vinho e suas belezas naturais, sua gente, suas diversas atrações. Gastronomia, Cultura, Vinho, Beleza Natural é um conjunto de valores que todo turista procura no mundo todo. Não acho que apenas as vinícolas sejam o eixo do enoturismo, embora acredito que o governo poderia incentivar a construção de pequenas pousadas nas vinícolas. É um outro negócio que pode ajudar o produtor na receita e na divulgação de seu vinho. Imagine você ter em todas as vinícolas da Serra um cantinho como o da Don Giovani?… Seria melhor não? Mas lembro, é outro negócio.
(*) Rogerio Ruschel é editor do In Vino Viajas a partir de São Paulo.
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Adorei o bate-papo! Comecei no vinho há pouco tempo e este ano tenho me dedicado especialmente à degustação (e incentivo) dos vinhos brasileiros (sobretudo os “naturebas”). Aqui em Floripa (onde moro) já tem até uma loja só dedicada a vinhos brasileiros e, inclusive, com um cantinho só pros naturebas (é lá onde me aventuro!) e preços super acessíveis: chama-se Adega Nacional (quem toca são os filhos do proprietário da Casa Ágora). Pelo que tenho percebido o mundo do vinho tem conquistado cada vez mais adeptos (e muitos deles de consumidores conscientes, que buscam qualidade, produto local e originalidade) por aqui. Apesar disso, ainda vejo (e isso é pessoal) uma grande barreira, como discutido por vocês: o vinho ainda é visto como algo elitizado e, infelizmente, é tratado de tal forma pelo grosso do enoturismo. Quando estive na Serra Gaúcha, pouco antes da pandemia, fiquei impressionado com os valores exorbitantes das degustações, com a falta de inventividade de algumas vinícolas (meras cópias dos “padrões europeus”) e com o próprio público, composto de uma “camada seleta” de “apreciadores” que, pelo visto, não estavam nada dispostos a tornar a experiência do vinho mais democrática e “easy-going”. Na Serra Catarinense não senti diferença em relação ao público, mas pelo fato de o enoturismo ser menos desenvolvido que no estado vizinho, acho que em algumas vinícolas o ambiente fica mais convidativo.
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Pois é, Henrique, nem tudo é como gostaríamos que fosse…Abraços, Rogerio