Tempo de leitura: 8 minutos
Por Rogerio Ruschel, com informações da Embrapa
Meu caro leitor ou leitora, se São Paulo é um gigantesco exportador de suco de laranja como commodity, o Rio de Janeiro vai vender as “Laranjas da Região de Tanguá”, como produtos gourmet porque são as únicas com uma Indicação Geográfica (IG) do Brasil – e logo com o melhor certificado que poderia obter, uma Denominação de Origem – DO.
Pois é: o Rio de Janeiro que é apenas o 12º maior produtor de laranja do País, saiu na frente de todos os outros Estados, ao entender que podia agregar valor às laranjas produzidasnosmunicípios de Tanguá, Itaboraí, Rio Bonito e Araruama, na Grande Rio, com a certificação de uma Indicação Geográfica obtida no final de julho de 2022 pela Associação de Citricultores e Produtores de Tanguá (Acipta). Isso só foi possivel graças à união dos produtores e ao trabalho científico de estudos conduzidos por pesquisadores da Embrapa Embrapa Solos e Embrapa Agroindústria de Alimentos – com o apoio da Emater-Rio – que comprovaram tecnicamente que a qualidade e as características peculiares das laranjas da região estão relacionadas essencialmente ao meio geográfico (o terroir), o que compreende os fatores naturais e humanos.
As principais conclusões do registro como Indicação Geográfica são:
- As laranjas da Região de Tanguá são conhecidas pela doçura intensa perceptível ao paladar e pelo maior rendimento de suco.
- Cientistas demonstraram que o regime de chuvas e o clima da região influenciam diretamente na composição físico-química dos frutos.
- As características e qualidades das laranjas se devem essencialmente à variação de altas e baixas temperaturas em períodos bem definidos.
- No período de desenvolvimento dos frutos há abundância de água e na fase de maturação há deficiência hídrica, gerando um produto único com elevada doçura.
- A temperatura do ar e a alta amplitude térmica influenciam no tamanho, na acidez e na coloração dos frutos.
O terroir da região: o diferencial
De acordo com o exame de mérito realizado pelo INPI, as análises químicas realizadas pela Embrapa Agroindústria de Alimentos nas laranjas das variedades Seleta, Natal Folha Murcha e Natal Comum produzidas nos quatro municípios demonstraram que elas apresentam números elevados de sólidos solúveis totais, entre eles os açúcares. Tal característica pode ser atribuída a alguns fatores naturais da região – o terroir – entre eles o regime de chuvas. As baixas precipitações pluviais reduzem o conteúdo de água no solo, e essa condição determina o estresse por seca no período da colheita, o que acarreta teores elevados de sólidos solúveis nos frutos.
Na região formada pelos municípios de Tanguá, Araruama, Rio Bonito e Itaboraí existem dois períodos distintos de precipitação: primavera/verão e outono/inverno, e os menores índices pluviais são verificados no período de outono/inverno, em geral inferiores a 50 milímetros por mês. “Esse período coincide com a época de maturação e colheita das laranjas. O balanço hídrico com déficit na época da maturação na região faz com que a menor disponibilidade de água gere maior concentração dos elementos diluídos na água disponível. Tal condição possibilita o acúmulo de sólidos solúveis totais”, explica pesquisador da Embrapa José Ronaldo de Macedo.
A quantidade de sólidos solúveis nos frutos das três variedades também é influenciada pela grande variação das temperaturas na região da IG-DO, que possui amplitude térmica média de aproximadamente 10°C durante o ano todo, com declínio das temperaturas entre maio e outubro, período que antecede a colheita dos frutos. A alta amplitude térmica diária, assim como a temperatura do ar, influenciam outros aspectos qualitativos dos frutos, tais como tamanho, acidez e coloração.
Solos ricos e peculiares
Com relação aos solos da área delimitada da IG-DO, os estudos da Embrapa mostraram que há predominância de solos arenosos em superfície e de textura argilosa em subsuperfície. São solos ricos em cálcio, magnésio, fósforo e potássio, cujos valores de concentração variam de médio a muito alto. De acordo com os pesquisadores, os altos valores encontrados de potássio influenciam na redução da acidez dos frutos, no aumento dos sólidos solúveis totais, na sensação de sabor mais adocicado, no aumento do tamanho do fruto, no conteúdo de vitamina C e na cor da polpa das laranjas.
Macedo aponta que um dos resultados mais importantes foi verificado na correlação entre as pesquisas de solo, realizadas pela Embrapa Solos, e os estudos das análises químicas das laranjas, executados pela Embrapa Agroindústria de Alimentos. “Os estudos mostraram a inversão dos valores de cálcio e magnésio encontrados no solo. Esse é o fator mais importante e diferencial para a confirmação da IG-DO das laranjas da Região de Tanguá. A explicação fisiológica para esse fato é que o cálcio, mais disponível no solo, vai ser absorvido pela planta em maior quantidade e fará parte da constituição da casca, tornando o magnésio mais disponível para ser acumulado no sumo das laranjas. Em função dos valores desses nutrientes serem altos na capacidade de troca de cátions (CTC) do solo, tanto em superfície como em subsuperfície, é um fator natural que justifica a fama das laranjas Seleta, Natal Comum e Natal Folha Murcha produzidas na região serem conhecidas, popularmente, como as laranjas mais doces do Brasil”, detalha o pesquisador.
O saber fazer
A Emater – RJ conduziu esrudos que comporvaram que fatores humanos e técnicos utilizados na região –o saber-fazer – também influenciam na produçnao das laranjas gourmet. Entre eles a utilização de um único tipo de porta enxerto, a escolha por áreas arenosas para realizar os plantios de laranja, o baixo uso de máquina agrícolas, resultando na baixa compactação dos solos, o plantio direto e em covas grandes (covão), o reduzido uso de agrotóxicos, o plantio de lavouras consorciadas, a maior cobertura de vegetação no solo, a realização de adubação orgânica e o uso de abelhas na polinização das flores do laranjal.
Os impactos da IG esperados para a região
A Associação de Citricultores e Produtores de Tanguá (Acipta), detentora do selo da Denominação de Origem, e as secretarias de Agricultura dos munícipios de Tanguá, Araruama, Rio Bonito e Itaboraí, que participaram do processo de estruturação da IG-DO, esperam que o reconhecimento traga a valorização ao produto e aos agricultores locais, além do fomento do turismo e da revitalização do parque citrícola da região. A expectativa é que o uso do signo distintivo como estratégia de mercado agregue valor ao produto e proteja o notório saber dos produtores locais e as tradições culturais.
O agricultor Djalma de Andrade, que atualmente produz laranja em uma área de 4,3 hectares de seu sítio, em Tanguá, acredita que a denominação de origem fará com que os produtores da região manejem ainda melhor os seus pomares e busquem ampliar as áreas cultivadas, promovendo incremento da produção local. “Vejo os produtores animados [com o reconhecimento da Indicação Geográfica]. A região possui ainda muitas terras vazias, onde muitos produtores pretendem fazer novas plantações, com mudas certificadas e com manejo de pragas adequado.”
Um dos pontos-chaves do selo é conseguir o aumento de renda aos produtores de laranja; somente no município de Tanguá foram cerca de mil hectares de laranjais georreferenciar no projeto. A técnica em agropecuária da Emater-Rio, Maria Rosélia da Silva, que também acompanhou os trabalhos de mapeamento desde o início, comentou que o maior efeito é o de valorização das cadeias produtivas e da agricultura familiar local.
A adesão à utilização da Indicação Geográfica, na modalidade Denominação de Origem, é de caráter espontâneo e voluntário pelos produtores de laranjas das variedades Seleta, Natal Folha Murcha e Natal Comum, cuja produção tenha origem em propriedades localizadas na área geográfica delimitada e que cumpram na íntegra o Caderno de Especificações Técnicas da Denominação de Origem para as Laranjas, aprovado e publicado pelo INPI. A IG-DO será regida por um conselho regulador, cujos membros serão constituídos por associados da Acipta e representantes de instituições de pesquisa, extensão e ensino.
Com informações da Embrapa Agroindústria de Alimentos