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EXCLUSIVO – Entrevista com Ana Soeiro, Diretora Executiva da QUALIFICA/oriGIn Portugal e Vice-Presidente para a Europa do Movimento Internacional oriGIn.
Meu prezado leitor ou leitora, prestando mais um serviço para pessoas qualificados como você, neste momento em que muitos brasileiros começam a despertar para a necessidade de investir na identidade territorial de agroalimentos para sobreviver ao Acordo Mercosul/União Europeia, In Vino Viajas entrevista uma das maiores especialistas no assunto no mundo.
Ana Soeiro (na foto acima) é Comendadora da Ordem do Infante D. Henrique pelo seu trabalho em prol dos Produtos Tradicionais Portugueses. Isto só já bastaria para avalizar seu trabalho, mas é apenas um dos reconhecimentos oficiais da Diretora Executiva da QUALIFICA/oriGIn PORTUGAL, Secretária-Geral da Associação Nacional de Municípios e de Produtores para a Valorização e Qualificação dos Produtos Tradicionais Portugueses (QUALIFICA), e Vice-Presidente para a Europa do Movimento Internacional oriGIn. Engenheira Agrônoma, Soeiro foi representante de Portugal no Comitê Europeu das Identificações Geográficas – IGs por 15 anos e desenvolveu o sistema de identificação e valorização dos produtos tradicionais portugueses em Portugal. É autora de publicações sobre produtos tradicionais e sistemas de qualificação (IGs) e já esteve no Brasil em várias Missões. Veja a seguir trechos desta entrevista.
R. Ruschel: Qual o trabalho da Qualifica/oriGIn Portugal?
Ana Soeiro: A QUALIFICA/oriGIn Portugal foi constituída em Outubro de 2008 como uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, com o objetivo de desenvolver entre outros, os seguintes objectivos:
a) Potenciar o trabalho já desenvolvido pelos membros, em matéria de valorização dos produtos, de melhoria das condições dos estabelecimentos, de promoção comercial, turística, cultural, ambiental e de defesa do consumidor, aumentando a cadeia de valor e a experiência efectiva no mercado;
b) Representar e defender os membros perante os órgãos de soberania e demais entidades públicas e privadas nas áreas de actuação que integram os fins e objectivos da Associação;
c) Criar e gerir marcas colectivas de associação, destinadas, designadamente, a assinalar os produtos, serviços, unidades produtivas e estabelecimentos que atinjam parâmetros previamente fixados em matéria de genuinidade, tradicionalidade, origem, características qualitativas diferenciadas ou modos de produção ou de prestação de serviços com características particulares e que, por tais condições, sejam motor de desenvolvimento e património cultural;
d) Promover o conhecimento, o uso e o respeito pelos produtos tradicionais portugueses, valorizando a sua função económica e a sua dimensão social e cultural e satisfazendo as expectativas dos consumidores, sem prejuízo da inovação, designadamente em matéria de formas de apresentação comercial e uso dos mesmos produtos;
e) Fomentar a comercialização dos produtos tradicionais, apoiando, melhorando e proporcionando a existência de estabelecimentos, mercados locais e específicos, circuitos e cadeias de comercialização, total ou parcialmente qualificados;
f) Defender e promover as IG, em Portugal e no Mundo, incentivando o respectivo registo nacional, comunitário e internacional e lutando contra a sua utilização abusiva ou fraudulenta;
g) Participar nos trabalhos e nas iniciativas da Rede Mundial oriGIn;
h) Defender o conceito de IG em Portugal e na Europa e contribuir para o seu desenvolvimento mundial;
i) Promover o reconhecimento do papel essencial das IG para o desenvolvimento sustentável;
j) Obter uma melhor protecção para as IG ao nível nacional e internacional.
Abaixo, castanhas de ovos de Aveiro
R. Ruschel: São muitas tarefas; qual o quadro de membros associados?
Ana Soeiro: A QUALIFICA / oriGIn Portugal tem cerca de 130 membros em 3 tipos de associações:
1. Membros efectivos:
a) Municípios ou as suas associações;
b) Agrupamentos de Produtores;
c) Entidades de natureza pública ou privada, nacionais, regionais ou locais de cariz sócio-cultural, económico, profissional ou de solidariedade social;
d) Produtores, comerciantes e quaisquer outros agentes económicos;
e) Investigadores, professores e técnicos
2. Membros de honra – instituições e personalidades que prestem apoio relevante às actividades da entidade
3. Membros associados – entidades públicas ou privadas com interesse em apoiar, potenciar ou promover o trabalho desenvolvido pela associação.
R. Ruschel: Quais os serviços prestados aos associados?
Prestamos diversos serviços aos associados, com destaque para:
a) Apoiar os processos de qualificação dos produtos, das empresas ou dos nomes dos produtos dos seus membros, promovendo o seu registo a nível nacional, comunitário ou internacional;
b) Apoiar e defender marcas, patentes, logótipos e outras figuras de propriedade industrial que sejam pertença dos seus membros, ou por eles geridas, no âmbito da sua esfera de acção, podendo inclusivamente constituir-se como assistente em processos judiciais;
c) Apoiar o desenvolvimento e a estruturação dos Agrupamentos de Produtores, apoiando os seus esforços junto dos decisores e do público em geral para melhor conhecimento e defesa das suas IG e de outras marcas, promovendo a partilha de conhecimentos e de experiências;
d) Realizar manifestações culturais, tais como congressos, colóquios, seminários, encontros e conferências;
e) Promover e/ou elaborar estudos e projectos e filmes, livros e outras publicações;
f) Proceder ao inventário do património gastronómico e bibliográfico sobre as matérias abrangidas;
Em particular, a QUALIFICA/oriGIn Portugal desenvolveu uma parceria com uma empresa portuguesa e construiu e lançou um APP para os produtos tradicionais portugueses – a PTPT. Esta APP permite relacionar os produtos tradicionais, mutos deles com IG, descrevendoos mas também indicando quem são os seus produtores e em que locais podem ser adquiridos. Permite pesquisar por produto, por #tag, por município, etc
R. Ruschel: Qual o volume de negócios mobilizado por IGs no mercado mundial?
Ana Soeiro: Infelizmente não há dados actualizados sobre as IGs no mercado mundial, Num ponto de vista muito pessoal, acho que o volume de negócios actual é bastante elevado na medida em que:
a) Há mais IGs registadas , não só na União Europeia, mas em muitos outros países como Vietname, India, Marrocos, China, Ucrânia, México, Brasil, entre muitos outros
b) A UE tem estabelecido acordos comerciais ou similares com países ou com Grupos de países em que a protecção mútua das IGs está sempre presente. Estes acordos facilitam o comércio mundial das IGs e dão mais garantias aos produtores que os nomes dos seus produtos não serão imitados ou usurpados
“Com a Comissão Europeia colaboramos activamente na coordenação de cursos sobre o controlo das IGs, seja ao nível da produção, seja ao nível do Mercado. Neste cursos diversos técnicos brasileiros já receberam formação.”
R. Ruschel: Qual a representatividade institucional e técnica da Qualifica/oriGIn Portugal? Como é o relacionamento com o INPI e outros órgãos de governo português e europeu?
Ana Soeiro: A QUALIFICA / oriGIn Portugal é uma associação de direito privado e, como tal , não tem nenhuma representatividade institucional. No entanto, tem protocolos de colaboração com Universidades Públicas e com Institutos Politécnicos, com Instituições de Investigação Agrária e Zootécnica, com a Ordem dos Engenheiros, com Organizações socioprofissionais, com a Confederação dos Agricultores de Portugal etc. e com empresas privadas que se ocupam de exportação, de advocacia, de turismo, de controlo de produtos como DOP ou com IGP.
Mantemos um excelente relacionamento com o INPI e com a ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica. Internacionalmente mantemos um excelente relacionamento com a OMPI/WIPO, com o EUIPO e com a Comissão Europeia, para além do Movimento Internacional oriGIn. Com a Comissão Europeia colaboramos activamente na coordenação de cursos europeus sobre o controlo das IGs, seja ao nível da produção seja ao nível do mercado, Neste cursos diversos técnicos brasileiros já receberam formação.
R. Ruschel: A sra. já fez missões em 28 países e já esteve no Brasil várias vezes.
Ana Soeiro: Já estive por diversas vezes no Brasil seja a pedido da OMPI/WIPO, seja da Comissão Europeia, seja de entidades brasileiras – Universidades e outras. A minha participação teve início em 2009, em Porto Alegre, mas também já fiz missões no Rio de Janeiro, Fortaleza, São Luis do Maranhão, Patos de Minas, Brasília, Belo Horizonte, Ilhéus, Santa Catarina, Corupá, etc. sempre no sentido de dar a conhecer o sistema de qualificação, registo, protecção e controlo das Indicações Geográficas e dar formação e técnicos brasileiros do Ministério da Agricultura, do INPI, do SEBRAE, de Universidades e de Associações de Produtores e Comerciantes nestas áreas de trabalho, mas também a alunos universitários, técnicos de divulgação e técnicos de municípios. Abaixo, Pastel de feijão de Torres Vedras
R. Ruschel: Sobre o Acordo Mercosul – União Europeia, qual a perspectiva de Portugal a respeito do Acordo? E a perspectiva de outros países europeus?
Ana Soeiro: Em matéria de IGs penso que o Acordo UE – Mercosul não trará problemas maiores, já que há uma série de cláusulas temporais e de derrogações similares às que existem outros acordos da UE com países terceiros e que tivemos que aceitar. Embora as vezes com algum custo grave para os nossos produtores, face ao registo nesses países do Mercosul, de IGs europeias como se fossem meras marcas por parte de empresas não produtoras dos produtos com IG ou ao uso menos correcto ou mesmo abusivo de certas IGs europeias nesses países.
Sei da desilusão de alguns membros do Mercosul pelo facto de ainda não termos, na União Europeia uma legislação harmonizada que permita proteger as IGs de produtos não alimentares. Mas penso que num prazo razoável a UE disporá de tal legislação e nessa altura poder-se-ão rever os termos do Acordo para que as IGs dos não alimentares sejam mútuamente reconhecidas e protegidas.
“Os produtores conhecem muito bem os canais de escoamento dos seus produtos e as quantidades produzidas e podem auxiliar e muto as autoridades a controlar produtos quye fraudem as denominações de idenbtidade territorial”
R. Ruschel: Os prejuízos com a contrafacção (imitação fradulenta) são muito elevados. Existe alguma estimativa de redução dos prejuízos em 5 e 10 anos?
Ana Soeiro: Não conheço nenhum estudo nesse sentido, mas obviamente que o bom seria reduzir para Zero! Será provavelmente impossível de conseguir, mas o facto é que as entidades competentes dos diversos estados membros da UE trabalham cada vez mais em cooperação e há redes de alerta rápido para avisar/impedir a circulação e ou a importação de produtos contrafeitos e há bases de dados exclusivamente destinadas às autoridades e onde podem ser visualizados produtos e rótulos mas também onde podem ser registados os nomes dos infractores e os principais tipos de infracção cometidos.
Uma matéria que tem que ser seriamente ponderada pelas autoridades dos Estados membros é a de colaborarem cada vez mais com os Agrupamento de produtores que gerem as IGs. Os produtores conhecem muito bem os canais de escoamento dos seus produtos e as quantidades produzidas e podem auxiliar e muto as autoridades caso estas os ouçam com regularidade e compreendam que as maiores fraudes são efectuadas no mercado e não pela produção!
No que respeita às IGs há uma proposta muito interessante da Comissão Europeia para que deixem de poder circular no território europeu IGs contrafeitas, anda que destinadas a outros mercados não europeus. Dá-se, assim, um sinal claro de luta contra esta autêntica “praga” que lesa a economia dos produtores e dos consumidores! Todos são enganados e maltratados com as fraudes.
“O Brasil terá que pensar num futuro muito próximo em adequar a sua legislação – que não está harmonizada nem com a da União Europeia nem com a dos membros do Mercosul”
R. Ruschel: Quais os principais obstáculos para a expansão das IGs em países em desenvolvimento?
Em primeiro lugar estará talvez, a falta de conhecimento prático sobre o assunto, por parte das autoridades, dos produtores e dos consumidores. Outro obstáculo grande é a ausência de sistemas de controlo oficial em muitos desses países. O recurso a empresas de controlo, devidamente acreditadas, é normalmente caro e faz com que os produtores desses países acabem por lucrar pouco ou nada com a implementação do sistema de protecção das suas IGs.
R. Ruschel: A senhora teria uma mensagem para produtores brasileiros a respeito das IGs?
Ana Soeiro: Eu julgo que no Brasil já há um conhecimento razoável do sistema por parte dos técnicos de muitos organismos de Estado, de Universidades e de alguns produtores.
Penso, muito sinceramente, que o Brasil terá que pensar num futuro muito próximo em adequar a sua legislação – que não está harmonizada nem com a da União Europeia nem com a dos membros do Mercosul, por exemplo – e em estruturar um sistema de controlo nacional que permita dar garantias ao consumidor sobre a genuinidade dos produtos com IG.
Claro que este sistema de controlo tem que ser feito ao nível da produção, mas também, e sobretudo, ao nível do mercado já que é neste segmento que se verificam, em todo o mundo, as maiores fraudes. Mas, mesmo assim e com todo o trabalho que há para fazer, as IGs recompensam isso!!!”
Recebi a seguinte mensagem de Ana Soeiro: “Fiquei muito curiosa a respeito do seu livro “O valor global do produto local – a identidade territorial como estratégia de marketing”. Como posso conseguir um exemplar? “ Estou respondendo diretamente a ela.
Saiba mais: www.qualificaportugal.pt