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Por Rogério Ruschel (*)
A cidade de Érice, na Sicilia, só poderia ter sido fundada por um povo que cultuava Vênus, a deusa do amor dos romanos (Afrodite para os gregos). Explico: a povoação foi fundada em torno de 500 AC pelos elimos com o nome de Venere Ericina, para venerar a deusa da fertilidade – e os elimos foram o povo resultante da fusão (quer dizer, transa generalizada) de gregos foragidos de Tróia com os moradores locais, os sicanos (talvez os fulanos troianos os chamassem sicranos, nunca se sabe…).
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Pessoalmente suspeito que o o visual encantador da região ajudou a fertilidade dos troianos, porque a cidade é realmente mágica: como fica no alto do Monte Giuliano (ou monte Érix) num precipício de 750 metros na beira do mar, quando cai a noite tudo fica envolto em neblina que permanece até de manhã – as brumas mágicas da sedutora de Érice. E como não tinham muito o que fazer por causa da escuridão e das ruas desertas, creio que os troianos mandavam bala a noite inteira nos sicanos…
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Mesmo não acreditando nesta minha “explicação histórica”, o fato é que você, mesmo sozinho, nunca mais vai esquecer de Érice. Localizada perto de Trapani e 110 Km de Palermo, a pequena cidade de 25 mil habitantes é um cenário de cinema com seu aspecto medieval, ruelas, palácios e muralhas; acho que a palavra mais correta para definir Érice é “fascinante”.
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Com esta origem, digamos assim erótica, e sua localização perto do então estratégico porto de Trapani, foi natural que Érice tenha gerado disputas seculares entre cartaginenses e romanos – e por cartaginenses entenda-se uma dissidência romana que flertava com bizantinos e visigodos. E, é claro, os árabes também tiraram sua casquinha, conquistando-a em 831 D.C, bem como os normandos, a partir do século XII; isso sem falar de algumas ruínas que especialistas afirmam ser de origem fenícia. Enfim, uma suruba étnica.
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A vista é espetacular: pode-se ver Trapani e a região vinífera de Marsala e dizem que em dias claros pode-se ver o Cape Bon na Tunisia, mas não tive esta sorte. A planta da cidade é triangular, com duas portas de entrada (veja o mapa abaixo) e a cidade conserva o traçado medieval.
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E dentro deste traçado medieval você vai ver portais, igrejas e castelos como a normanda Igreja Matrice (veja foto abaixo, feita as 9 horas da manhã), o Castello Pepoli, o Palazzo Militari e muitas igrejas como as de San Cattaldo, San Giuliano, San Michelle, del Salvatore e San Martino. No centro da cidade, caso você tenha tempo e interesse de saber mais sobre a história da cidade pode visitar o Museo Comunale A Cordici.
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Outra grande atração é o Castelo de Venére, segundo dizem, do século XII, construido onde estava originalmente o templo dedicado a Vênus, e que ao longo dos séculos foi caserna militar, sede de governo e residência de alguns poderosos como o Vice-rei don Garzia Toledo em 1561 e Don Carlo D’Aragon em 1576.
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Mas o bom mesmo em Érice é caminhar pelas vielas e ruas e ver as fachadas de antigas lojas medievais que foram convertidas em bares convidativos, escritórios de artistas e artesãos, oficinas de arquitetura, residencias de alguns felizardos, ou ainda lojas de cerâmicas ou de tapetes – a cidade tem uma certa tradição na confecção de tapetes.
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A cidade tem bons hotéis e come-se muito bem nos restaurantes e bares. Mas se me permite uma sugestão, aproveite para provar os doces e uma das tradições de Érice, os pastéis. Criados por freiras em conventos nos séculos XIV a XVIII, os pastéis, dizem os locais, são conhecidos no mundo todo. Comi uma meia duzia deles na pasticceria Maria Grammatica por 10 euros, uma refeição.
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E evidentemente, como Érice está na principal região vinícola da Sicília, sugiro bebericar os vinhos Marsala, fortificados como o conhecido português vinho do Porto ou Sherry, feito com as uvas locais Grillo, Catarratto ou Inzolia. Vinhos “convencionais”, de mesa, também locais, podem ser encontrados facilmente como Malvasia, Moscatos ou o Nero D’Avola, familiar aos brasileiros e geralmente comparado a um bom Syrah.
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A Sicília tem muito mais para mostrar, mas este vai ser – pelo menos por enquanto – o penúltimo post da série siciliana, porque o mundo é muito grande e tem muuuuuuita coisa pra conhecer. Praga, por exemplo. Ou Berlim, Annecy, Nova Zeliandia, São Luis do Maranhão. Quem sabe o Equador? Vamos ver o que vai aparecer aqui no In Vino Viajas. Enquanto isso, um brinde, caro leitor.
Veja mais sobre a Sicilia:
(*) Rogério Ruschel – editor deste blog é turista inveterado, jornalista e consultor especializado em sustentabilidade. Ruschel esteve na Sicília durante 30 dias pesquisando roteiros turísticos.