Tempo de leitura: 6 minutos
Texto e fotos de Liana John, com edição de Rogerio Ruschel
Estimado leitor ou leitora, estamos com muita sorte: a talentosa jornalista Liana John esteve na Grécia e com grande gentileza brinda os leitores de “In Vino Viajas” com um delicioso relato sobre a paisagem, a cultura, a história, os vilarejos, a gastronomia e os vinhos de Santorini. Nas fotos acima e abaixo, imagens surpreendentes dos (quase invisíveis) vinhedos na forma de ninhos, aos pés do Monte do Profeta. Com a palavra Liana John.
“Se for à Grécia, ponha os pés – e os olhos – na ilha de Santorini. Reserve uma mesa voltada para o lindíssimo pôr-do-sol na vila de Oia e prove o vinho branco local, devidamente acompanhado por polvo grelhado.
A bela paisagem de Santorini inclui punhados de casinhas brancas agarradas às bordas da cratera de um imenso vulcão – ainda ativo e fumegante – inundado pelas águas azuis do Mar Egeu. Onde não há casas e hotéis, como o da foto abaixo, estão os vinhedos, quase invisíveis aos leigos e distraídos.
Ali se plantam vinhas de uva Assyrtiko, variedade local cultivada há séculos, com uma condução desconhecida em outras localidades: a base de cada parreira é enrolada em círculo, semelhante a um ninho (foto abaixo), de onde as ramas saem quase rentes ao chão. As justificativas para esse formato incluem a proteção contra os ventos constantes, a manutenção do calor no outono e inverno e o aproveitamento dos nutrientes do solo vulcânico, sobre o qual vingam muito poucas espécies nativas de plantas.
Devido a esta particularidade, de início é difícil reconhecer os vinhedos, quando se passeia pelos 76 km2 da ilha principal, onde vivem cerca de 15.500 habitantes. Só quando aprendemos o que procurar é que eles se mostram onipresentes, tanto em pequenos lotes urbanos (mais parecidos com terrenos baldios) como ao lado de algumas das 600 capelinhas de teto abobadado azul. Ou ainda nas encostas íngremes das montanhas do interior, com destaque para o Monte do Profeta Elias, onde fica o monastério de mesmo nome. Cercado pelos vinhedos dos monges, claro.
Em um dos penhascos (acima), com vista deslumbrante para o mar, fica a vinícola Santo Wines, uma união das cooperativas vinícolas do arquipélago, que reúne 1.200 produtores. Ali se fabrica nosso grego preferido: o Santorini Assyrtiko Grande Reserve, um branco seco diferenciado, no qual os aromas de frutas secas mediterrânicas se combinam aos minerais vulcânicos captados por vinhas centenárias e um toque de carvalho dos 12 meses de “envelhecimento” em barris franceses. Ali também se oferece um cardápio degustação e se pode comprar azeitonas e azeites gregos, além dos vinhos. Eles têm tintos, espumantes e vinhos doces (Vinsanto, abaixo), claro, mas as estrelas são os brancos.
O Grande Reserve pede frutos do mar de qualidade e nossa opção foi um polvo grelhado e fatiado, impecável, consumido à luz do famoso pôr-do-sol (abaixo) da vila de Oia (pronuncia-se “ia”). Cauda de lagosta, lagostins, camarões, ostras e mariscos também devem ficar perfeitos, se preparados à base de vapor, calor (da grelha) e ervas ou consumidos só com um limãozinho (no caso das ostras). Tudo pelo máximo sabor original, que tal vinho pede (e merece).
Antes ou depois da degustação, vale uma caminhada descompromissada pelas ruas de Oia, repletas de lojas de artesanatos e joias, com visadas e ângulos preenchidos pelo branco das construções, de uma arquitetura muito particular. Não faltam antigos moinhos de vento (abaixo) – de onde antes se obtinha energia – nem afrescos, cruzes e motivos cristãos ortodoxos, pontilhando o branco das paredes e tetos. Muitas casas e boa parte dos 70 mil leitos de hotel disponíveis em toda a ilha são trogloditas, isto é, cavados na rocha vulcânica.
A capital da ilha, Thira (pronuncia-se Fira), igualmente repleta de casinhas brancas à beira de precipícios, com certeza merece um dia de visita. O pequeno e muito bem organizado Museu Prehistórico é obrigatório: ali estão peças e afrescos (encantadores), recuperados da cidade portuária de Akrotiri, localizada no extremo sul da ilha. As escavações também podem ser visitadas, na ida ou na volta da Praia Vermelha (Red Beach), para quem gosta de águas frias, porém absurdamente transparentes. Na foto abaixo, exemplo de mosaico do Monasterio do Profeta Elias.
A antiga Akrotiri foi inteiramente soterrada por cinzas da erupção vulcânica ocorrida por volta do ano 1.650 antes de Cristo (sim, há uns 3.660 anos). Como em Pompeia, móveis e objetos de decoração permaneceram preservados sob as cinzas, revelando o incrível desenvolvimento da civilização minoica. Só não há pessoas, como na cidade italiana ao sopé do Vesúvio, cuja explosão aconteceu bem depois, no ano 79. Há sinais de que a população fugiu às pressas, levando seus tesouros e joias em ouro e bronze, provavelmente para morrer no mar, devido ao violento derrame de material piroclástico e consequente tsunami. A catástrofe provocada pelo vulcão de Santorini é estimada pelos especialistas como a pior dos últimos 10 mil anos! Na foto abaixo a ilha de Terasia, a outra ilha habitada do arquipélago de Santorini.
É possível passar por Santorini e só ter olhos para suas atrações, dos simpáticos burrinhos que carregam turistas morro acima aos incontáveis degraus das ruelas cheias de charme. É possível ignorar o vulcão ou as transformações por ele impostas à população habitante das encostas. Basta pegar um dos 500 cruzeiros marítimos e seguir a multidão de 750.000 turistas que anualmente ali desembarcam para um atribulado dia, no fim da primavera, durante todo o verão ou no início do outono. No total, contando também quem vai de avião e balsa, a pequena Santorini recebe 2,5 milhões de turistas por ano!
Para fugir aos congestionamentos de visitantes, no entanto, o melhor é ir um pouco antes ou logo depois da temporada de cruzeiros. Assim, dá para evitar filas e sentar num dos numerosos restaurantes voltados para a caldeira do vulcão, cercada do profundo azul do mar. Em voz moderada, pode-se pedir um pescado e degustar longamente outro vinho branco da mesma vinícola Santo Wines: o Santorini Nykteri Reserve, com 75% de uvas Assyrtiko, 15% Athiri, 10% Aidani.
Com um toque cítrico e grande personalidade, ele combina bem com aquela paisagem vertiginosa, em camadas de rochas vermelhas, pretas e cor de areia, pontilhadas de pedras-pomes, demarcando a catástrofe do passado. Então se entra em contato direto com Kronos, o deus grego do tempo, o mais jovem dos titãs, filho de Urano (Céu) e Gaia (Terra) e pai de Zeus, o imortal supremo do Olimpo. Dá até para imergir na mitologia e perder a noção das horas…”
Conheça o trabalho de Liana John (na foto acima, em Thira) aqui: http://conexaoplaneta.com.br/blog/category/bioconecta/ ou aqui: http://www.camirim.com.br/