Turismo e sustentabilidade: como beber desta fonte harmonizando benefícios

Tempo de leitura: 12 minutos

Por Rogerio Ruschel (*)
Turismo sustentável é aquele no qual todas as partes envolvidas saem ganhando: o turista vivencia uma experiência única em contato com culturas e ambientes novos; o local visitado se beneficia sociológica e economicamente ao ser conhecido e divulgado para além de suas fronteiras (e somente se respeita aquilo que se conhece); e a economica local (comunidades, poder público e pequenas empresas) se beneficia com novos negócios gerados pelo turismo. E o turismo, como se sabe, movimenta negócios em mais de 50 atividades diferentes. Todo tipo de turismo deveria ser sustentável, mas infelizmente não o é. E o turismo mais sustentável é aquele praticado em centros urbanos, com indicadores socioambientais positivos e também aquele realizado em contato próximo da natureza como as variações do eco-turismo, turismo de aventura e turismo rural.
Nos Andes
Pratico eco-turismo e procuro fazer turismo sustentável desde adolescente. Fui turista em parques públicos e privados na África do Sul (veja posts neste blog), Nova Zelândia e nos Estados Unidos no Yosemite Park, o primeiro parque nacional do mundo, criado em 1890 – onde conheci um programa que ensinava cegos a fotografar entre as mais de 40 atividades eco-turísticas. Estive em Galápagos, onde o turismo é extremamente controlado e muito lucrativo. Caminhei pela região dos vulcões no Equador e em parques nacionais da Colombia e do Brasil. Fiz roteiros de eco-turismo na serra gaúcha, na Amazônia, em Lençois Maranhenses-MA e em Bonito-MS, entre outras regiões do Brasil. Me hospedei em fazendas de turismo rural no Paraná e na Sicilia, onde ajudei a fabricar azeite e estocar vinhos. Experiências encantadoras.
Com turismo sustentável os animais não tem medo dos visitantes, como em Galápagos
Mais do que praticar, tenho investido tempo e dedicação na divulgação e valorização do conceito win-win do turismo sustentável no Brasil. Fiz a primeira pesquisa sobre o perfil profissional do ecoturismo no Brasil, em 1994, em parceria com o WWF, a ONG do ursinho panda. Organizei eventos de ecoturismo em São Paulo e Canela nos anos 90; ajudei a fundar o IEB, hoje Instituto Peabiru; prestei consultoria para investidores privados e poder público – para os governos do Ceará e Tocantins e para o convênio Prodetur, parceria da Embratur com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), nos anos 2000 com o objetivo de valorizar aspectos ambientais e culturais em atrações turísticas. E durante uns 4 anos representei no Brasil o CEFAT – Centro Europeo de Formación Ambiental y Turística, ONG fomentada pela Comunidade Econômica Européia para desenvolvimento do turismo rural.
Tumba Canari: um mini Machu-Pichu nos Andes equatorianos
E nas dezenas de artigos e reportagens que escrevi sobre turismo sustentável, sempre procurei demonstrar que esta é uma atividade extraordinária porque pode promover deenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões, inclusive a econômica. Com isso quero dizer que acredito piamente no valor que o turismo pode gerar para a preservação ambiental e cultural.
A palavra de um especialista internacional
Oliver Hillel é um dos mais respeitados especialistas em turismo sustentável do mundo. É brasileiro, um brasileiro de muito talento, atualmente morando no Canadá. Tive a oportunidade de conviver com ele no Brasil, quando no começo dos anos 90 criamos ou participamos dos primeiros eventos de ecoturismo no Brasil em Canela, Ilhéus e Iguape.
Oliver Hillel (de terno cinza, ao meu lado, de camisa verde) e amigos do Senac

A convite do Oliver, em 1994, ao lado de João Allievi, Rita Mendonça, Denis de Lima Silva, Waldir Joel de Andrade, Zysman Neiman, Maria Cecília Wey de Brito e outros pioneiros, acabei sendo um dos co-criadores do primeiro curso de Pós-Graduação sobre Turismo e Meio Ambiente do Brasil, na Escola Superior de Turismo e Hotelaria do SENAC, em São Paulo. Oliver (abaixo), mentor do projeto, foi coordenador e professor e tive a honra de substituí-lo como coordenador do curso, além de continuar lecionando, quando ele saiu do Brasil em 1996, aceitando um convite para trabalhar na área de turismo sustentável da ONU, em Paris.

Lençois Maranhenses: macaquinhos agregam valor à experiência do turista

Pois o Oliver está fazendo brilhante carreira internacional em organizações multilateriais; atualmente trabalha no Secretariado da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) – uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU) – onde promove globalmente o turismo como ferramenta para conservação. O turismo sustentável traz vários benefícios para o ecossistema, plantas, animais e geografia do destino (geralmente um Parque público), para as comunidades do entorno do destino, como grupos étnicos habitantes do ecosssistema ou comunidades e governos locais adjacentes, e para o turista, que volta para casa com marcas indeléveis de ter vivido uma aventura e experência que o aproximou da natureza e quebrou sua rotina de urbanóide.
Cabana onde fiquei em um parque privado na África do Sul
Oliver Hillel defendeu mais uma vez estes benefícios como um dos palestrantes da 11ª reunião da Conferência das Partes da CDB (COP 11), realizada em Hyderabad, na India, entre 8 e 19 de outubro de 2012. Veja a seguir a tradução livre de sua apresentação feita pelo Instituto Semeia, e mais abaixo, veja como acessar a entrevista com ele.

Turismo rural na Sicilia: aprendi a fazer azeite de oliva – e a dar valor a esta atividade

Depoimento de Oliver Hillel na COP 11

Disse Oliver aos representantes de mais de 120 países: “Realisticamente, temos uma fração muito pequena dos recursos e da capacidade instalada para alcançar isso (meta da CDB, sobre áreas protegidas). Alguns países estão mais avançados, outros estão menos. Planos ambiciosos (para a conservação) demandam mais e mais recursos, enquanto as doações são cada vez menores. Então temos um problema com isso. Um problema sério.”

“Por outro lado, depois de 20 anos trabalhando com turismo, posso dizer que alguns destes parques possuem todos os elementos para gerar MUITA receita a partir do turismo, além de oportunidades de negócios para comunidades locais e indígenas, para os públicos de interesse, e significado para cada vez mais pessoas, que passam a conhecer o parque. A biodiversidade só é protegida quando as pessoas sabem a respeito desta. Quando as pessoas não vão aos parques, elas têm menos motivação para protegê-los.”
Turismo sustentável ensina respeito às culturas tradicionais
“Em minha experiência pessoal, o que acontece é que das 192 partes, países que fazem parte da Convenção, talvez 10, 15 deles descobriram formas para canalizar uma pequena parte dos recursos que vem das comunidades do entorno das áreas protegidas para o gerenciamento em benefício da própria área – seja pública, privada, da comunidade local e indígena, com a gestão da própria comunidade. A maioria da receita com turismo nunca é direcionada para a manutenção das áreas protegidas.”
“Logo, o que estamos falando aqui é como nós podemos replicar experiências das concessões e parcerias de turismo que funcionam em todas as áreas protegidas. Infelizmente, por diversas razões, apenas poucos países descobriram como desenvolver modelos verdes institucional e legalmente, trazendo uma quantidade significativa de recursos em benefício da gestão de áreas protegidas. A IUCN vem explorando concessões de turismo por muitos anos. De fato, tem publicações importantes e novas que serão lançadas em breve sobre como fazer concessões de turismo.”

A natureza é a moldura deste restaurante no roteiro do vinho em Paarl, África do Sul

“E aqui entra o Semeia, uma ONG inovadora e com a qual estamos muito satisfeitos por colaborar. Tomou para si a tarefa de descobrir bons exemplos, as lições aprendidas, e como podemos alavancar mais apoio do setor privado. Não é uma panaceia. Sabemos disto. Recebi um ótimo relatório da EQUATIONS, uma ONG local na Índia, sobre todas as falsidades e problemas de empresas dizendo que beneficiam as pessoas, mas que não fazem.”

Medindo uma árvore gigantesca na Amazonia brasileira

“Desafiando cada um de vocês aqui, eu pessoalmente não tenho identificado um único país no mundo em que pelo menos uma área protegida não receba uma substancial parte do seu orçamento advindo do turismo. Turismo tem seus ciclos de geração de recursos. Claro que gestores de áreas protegidas preferem apoios financeiros estáveis, mas devem existir diversos mecanismos para levar o dinheiro de uma parte para outra. Mas eles existem e funcionam.”

Safari na África: roteiros naturais que preservam biomas e animais

Oliver Hillel considera que o Brasil “ainda está engatinhando” no uso de iniciativas pró-ativas no desenvolvimento do turismo em áreas protegidas como estratégia de preservação da biodiversidade. E lembra países onde podemos buscar referências para nos transformar: Quênia, África do Sul, Costa Rica, Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Austrália e Botswana.

Quanto vale esta experiência na savana africana?

E o vinho?
Posso garantir que o turismo sustentável bem feito traz um grande conjunto de benefícios, e ao contrário do que muitos pensam, não é coisa para “bicho-grilo”: em todos eles o turista é tratado com classe, e em todos eles o vinho é parte da experiência e das refeições, porque o vinho – um produto essencialmente natural – combina com natureza, aventura e qualidade de vida.
Navios oferecem conforto e qualidade aos visitantes de Galápagos – incluindo boas alternativas em vinhos
Este post é dedicado a Oliver Hillel, pelos seus mais de 30 anos dedicado à preservação das riquezas naturais. Um brinde a isso.

Você pode conferir a entrevista exclusiva que Oliver Hillel deu ao Semeia clicando aqui. Saiba mais sobre o Semeia em http://www.semeia.org.br

Até nos Andes o turismo sustentável pode gerar renda, emprego e preservação

Saiba mais sobre sustentabilidade no mundo do vinho:

(*) Rogério Ruschel é turista, jornalista e consultor especializado em sustentabilidade. Ruschel acredita que sustentabilidade e turismo PRECISAM andar juntos.

 

 

5 Comentários


  1. Ola Rogério como vai? Parabéns pelo blog, pela publicação e pela forma de viajar! Muito legal mesmo. Gostaria de lhe convidar a conhecer um portal para o qual escrevo, é o http://www.ecohospedagem.com que trata de turismo sustentável para turistas, como você, e também para hoteleiros!

    Um abraço e parabéns novamente.

    Thiago Cagna

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  2. Muito bom, Rogério! Gostei. Por favor continue escrevendo sobre suas experiências — sua visão pessoal é igualmente relevante. Você contou "Me hospedei em fazendas de turismo rural no Paraná e na Sicilia, onde ajudei a fabricar azeite e estocar vinhos" e fiquei curioso sobre os detalhes e possíveis analogias entre os duas lugares. Além deste site, onde encontrar suas outras reportagens? Abraços, Carlos

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  3. Ola Carlos – grato pela visita e pelas palavras.
    Tanto o ecoturismo quanto o turismo rural feitos de forma correta tem os mesmos princípios em qualquer lugar do mundo: os recursos locais e as atividades produtivas são a atração, e o turista cresce em contemplação do belo, mas também com aprendizado e sensibilidade. Entre as possíveis analogias, anote esta que é 100% verdadeira: pessoas que moram no interior e trabalham com a terra, são mais calmas, mais educadas e mais felizes. No site http://www.ruscheleassociados.com.br tem algumas matérias minhas (em Artigos); em http://issuu.com/vivacotia/docs/viva_cotia_4__edi__o_-_novembro_de_2012 tem alguma coisa também.
    Grato pelo apoio e gentileza. Veja o que publiquei hoje, sobre a Unesco e vinhedos.

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