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Por Rogerio Ruschel (*)
Meu prezado leitor ou leitora, a responsabilidade de um jornalista é registrar o que está acontecendo no seu espaço e seu tempo. Como sou jornalista e não escritor de posts, vou registrar uma mobilização muito positiva de produtores indepedentes do Brasil e da França que já organizaram dois Encontros Franco-Brasileiros do Vinho Natural, em 2015 e 2016. Eles são pequenos e em certo sentido, undergrounds – alguns dos brasileiros poderão estar, digamos assim, não atendendo 100% da imensa e voraz legislação brasileira… Abaixo, a lista de participantes brasileiros no evento de Paris.
In Vino Viajas – Você participou dos dois Encontros; qual o mais importante? Comente sobre a programação do evento.
Philippe Herbert & Alain Inglês – “Os dois EFBVN foram muito importantes e dou destaque ao primeiro pois além de ter sido mais complexo na parte de planejamento e organização, foi o estopim de tudo; sem o sucesso alcançado com ele não haveria oportunidade para realizar o segundo na França. O Primeiro EFBVN foi realizado em 2015 no Rio de Janeiro e em São Paulo, o segundo em 2016 em Paris.
Os dois foram realizado graças às seguintes ações:
(1) A iniciativa de Philippe Herbert em contatar e convencer os produtores franceses a vir ao Brasil e participar dos dois eventos e o mesmo no Brasil com os produtores brasileiros através de Alain Ingles; (Abaixo foto do evento no Brasil)
(2) Aos produtores franceses e brasileiros que “compraram” a ideia, cederam suas amostras e vieram ao evento por conta própria (hospedagem, traslados e alimentação ficaram por conta da organização do evento);
(3) Pelo evento no Brasil, o primeiro dia foi no restaurante Aprazivel no Rio de Janeiro e o segundo dia em uma galeria de arte em São Paulo. Isso aconteceu graças ao investimento do Restaurante Aprazível: sem o apoio deles e equipe nada teria acontecido. A Importadora Gavinho, de Alain Inglês, dividiu o prejuízo da primeira edição junto com o restaurante Aprazível, que fez todo o investimento inicial.
–> (Abaixo foto do evento no Brasil).
O evento na França teve seu primeiro dia no restaurante Le Chateaubriand e segundo dia na loja Divvino, no Marais. Os produtores franceses e brasileiros apresentaram seus vinhos para mais de 300 participantes, a imensa maioria composta por profissionais do setor. Foi um encontro fantástico em que todos os envolvidos se doaram e houve quase nenhuma troca de dinheiro, apenas muita generosidade de todos os envolvidos e muitas garrafas de vinho.
(4) A participação essencial do Alain Ingles que ficou responsável pela logística receptiva dos produtores no Brasil e do processo de importação formal dos vinhos servidos nos dias de evento, pela produção dos eventos em si e negociação de parcerias.” (Abaixo foto do evento no Brasil).
Marco Danielle– “Creio que o mais interessante para o vinho brasileiro foi o 2º Encontro, o de Paris, pois proporcionou uma oportunidade jamais antes imaginada, de sentir a reação dos franceses aos nossos vinhos artesanais produzidos da forma mais natural possível. É importante lembrar que, além representarem o segmento mais difícil e exigente do mercado (os conhecedores de vinhos naturais), os cerca de 300 visitantes da feira eram, em sua grande parte, profissionais do setor: cavistas, sommeliers, chefes de cozinha, etc. Então fomos avaliados à francesa, sem concessões ou parcialidade, por wine geeks desse complexo contexto que encerra o universo dos vinhos naturais. (Abaixo foto do evento no Brasil).
Foi interessante presenciar a surpresa desses profissionais com a vinicultura de uma nação que muitos deles sequer sabiam que produzia vinhos. Foi interessante estrategicamente para o vinhos brasileiro, pois muitos formadores de opinião franceses descobriram que não apenas pode-se fazer vinho no Brasil, mas pode-se fazer bom vinho, e, como se não bastasse, de forma natural. Mas o 1º Encontro, no Brasil, foi o mais importante para o vinho brasileiro, por várias razões. Primeiro porque houve uma série de conferências dos vinhateiros franceses, oportunidade de aprendermos a ver a vinicultura sob um diferente prisma. Filmei essas conferências e um dia espero ter tempo para editar e legendar esse documentário, de forma que os colegas brasileiros possam rever os assuntos tratados. Fiz a tradução simultânea de algumas dessas conferências, que foram muito produtivas. (Na foto abaixo Lizete Vicari, durante o evento no Brasil).
O segundo aspecto historicamente importante para o vinho brasileiro foi a presença de Pierre Overnoy mostrando seus vinhos entre nós, o que deixou uma jornalista inglesa surpresa, pois sabe-se como é raro Overnoy viajar ou aceitar qualquer convite para feiras. Sua presença nos dois encontros foi uma prova de reconhecimento, um endosso à seriedade e empenho com que esses pequenos produtores artesanais brasileiros estão lutando contra toda a sorte de obstáculos burocráticos, criados em série para impedir a existência de uma vinicultura artesanal brasileira.” Abaixo foto do grupo no evento de Paris.
In Vino Viajas – Qual a avaliação dos brasileiros sobre os vinhos franceses? E qual sua avaliação dos vinhos brasileiros?
Philippe Herbert & Alain Inglês – “Os vinhos franceses são considerados os melhores do mundo e os brasileiros tem noção de que há muito a aprender com a França, especialmente no que se refere ao vinho natural, o trato da vinha sem defensivos agrícolas sintéticos, técnicas de vinificação, etc. Os brasileiros que fazem vinho natural estão vivendo hoje o que os franceses viveram há 30/40 anos atrás, há muito o que aprender. Os vinhos brasileiros apresentados têm atraído não só a curiosidade, mas também ter sido uma feliz descoberta para todos os amadores franceses e profissionais. Há ainda algum caminho antes de encontrar as melhores características típicas de solo brasileiro e as variedades mais representativas. Mas os vinhos apresentados mostraram real gosto potencial. ” (Abaixo foto do evento na França).
In Vino Viajas – Qual a avaliação dos franceses sobre os vinhos brasileiros? E qual sua avaliação dos vinhos franceses?
Marco Danielle – “Minha experiência se resume ao nosso espaço na feira, ao nosso estande. Só posso relatar o que presenciamos pessoalmente, pois o evento em Paris foi muito agitado e não permitiu qualquer interação com os demais expositores, franceses ou brasileiros. Uma das falhas dos dois encontros foi a quase impossibilidade de provar vinhos, quer dos franceses, quer dos brasileiros presentes no encontro. Uma vez abertas as portas, perde-se a voz de tanto falar e as energias logo se esvaem na tentativa de servir e responder a uma média de 4 a 6 pessoas paradas à frente do estande, perguntando ao mesmo tempo. Pode-se no máximo provar alguma coisa do estande vizinho. Uma sugestão para o 3º encontro seria abrir-se o salão uma hora antes apenas para os expositores visitarem todos os colegas, e provarem todos os vinhos. Quanto aos visitantes, em si, nossa experiência pessoal foi positiva. Presenciamos profissionais franceses e de diversas nacionalidades surpresos com a acidez de nossos vinhos, tão européia e tão rara no Novo Mundo. (Abaixo foto do evento na França).
Muitos elogios aos nossos dois pinots apresentados no salão, mas muita heterogeneidade nas formas de perceber os vinhos, e uma enorme oscilação entre as preferencias por um ou por outro – o que é ótimo. Contudo, a interferência da moda, em Paris, é algo que me aborrece, pois sou avesso a todo e qualquer culto à moda. Vejo que, no momento, a moda são os vinhos naturais radicais, turvos, com aspecto de suco de fruta. Qualquer traço clássico, notadamente a presença de madeira, por mais remota que seja, é veementemente proscrito. Nada de madeira, extração suave, fruta viva, são alguns dos “últimos gritos” dos quais não fazemos parte, aqui no atelier, pois sou bastante afeito ao caráter clássico, prezo muito a limpidez, e preciso da madeira para amenizar a rusticidade excessiva de alguns dos meus vinhos.”
In Vino Viajas – É possivel comparar os vinhos naturais brasileiros e franceses?
Philippe Herbert & Alain Inglês – “No resultado final, não são diretamente comparáveis. Mas há semelhanças devido à características do processo de vinificação com mínima intervenção, leveduras nativas e sem adição de SO2. A elegância dos vinhos franceses é ímpar, mas os brasileiros também são muito bons, possuem características próprias que lhe conferem identidade própria e estão no caminho certo.”
Marco Danielle– “Nem sempre os vinhos franceses são melhores do que os brasileiros, nem em todas as safras, nem em todas as castas. O Fulvia Pinot Noir tem uma história imensa de comparação às cegas com grandes borgonhas – tudo isso vastamente documentado pela imprensa. Nosso Franc 2010 fez enorme sucesso, foi parar na carta do Pearl&Ash de NYC, Philippe Pacalet o comparou a um bom Bourgueil, mas a safra 2015, apresentada em, Paris, não foi uma “boa” safra em termos de concentração, o vinho não tem a estrutura dos anteriores, e por isso mesmo é meu preferido, lembra um pinot noir ou um sangiovese leve, em termos de estrutura. É complexo, é sensual, beira o sulfito zero, mas é diferente de um Franc AOC estruturado francês, e isso os franceses às vezes têm dificuldade em entender. A matriz de casta x AOC é muito inculcada no espírito francês, não dão muita margem à originalidade quando o assunto é casta. Os fãs dos vinhos naturais são mais permissivos nesse sentido, mas nem todos os visitantes da feira eram naturebas radicais, então senti algum estranhamento sobre nosso Franc 2015. Adoro esse vinho, mas ele quebra um pouco o compromisso com as expectativas da casta.”
(Abaixo foto do evento na França).
In Vino Viajas – Quais os benefícios potenciais dos produtores participantes?
Philippe Herbert – “Dentre os brasileiros aprender, encurtar o caminho do aprendizado e aproveitar a evidência de estar ao lado de produtores renomados. Dos franceses pela divulgação, festa e reverência a Pierre Overnoy que participou das duas edições.”
Marco Danielle – “Expor é uma maneira de fazer-se conhecer, e expor ao lado de produtores de projeção internacional é uma referência a mais.”
In Vino Viajas – Os participantes pensam em realizar algum tipo de operação conjunta, seja técnica, de mercado ou institucional?
Philippe Herbert – “Pelo momento não que seja do meu conhecimento, além das visitas já realizadas pelos produtores brasileiros aos franceses nesses dois anos. O diálogo está agora estabelecido, os produtores brasileiros pode fazer qualquer pergunta para os produtores franceses.”
Marco Danielle – “No caso dos brasileiros passamos um ano entre reuniões com conselheiros cooperativistas, fiscais e contábeis, atas e redação de Contrato Social para a formação de uma Cooperativa, mas infelizmente o país não parece ter interesse na existência de pequenas vinícolas, ou de produtores e vinhos artesanais, e a Cooperativa mostrou-se inviável. Cada um deverá batalhar por conta própria, e fora o Encontro e as Feiras, não existe nenhuma ação conjunta. Os franceses estão abertos a compartilhar suas experiências (que não são pequenas) conosco, e isso é muito importante para uma vinicultura jovem como a nossa.” (Abaixo foto do evento na França).
In Vino Viajas – Marco Danielle, na sua opinião o que já temos de bom e de maduro, e o que ainda temos que melhorar em nossos vinhos naturais?
Marco Danielle– “Só posso responder pelos meus vinhos, do Atelier Tormentas, e nosso estilo é muito pontual, muito específico, com inspiração na Borgonha para os pinots, e no Vale do Loire para o resto dos vinhos. Não conheço suficientemente bem os vinhos dos colegas brasileiros, mas acho que o pouco que provei está mais em sintonia com o movimento radical moderno francês que os nossos. Temos um estilo mais antigo, mais clássico, na verdade é o estilo que eu adoro até hoje. Talvez um dia mude, mas não é algo que eu faça visando determinado nicho de apreciadores. É meu gosto pessoal, que acaba indo de encontro ao gosto de um certo segmento de publico. A Vanessa é enóloga e pretende trilhar um caminho próprio, ela gosta de coisas mais loucas, mais livres. Dou a maior força para que elabore seus próprios vinhos aqui no Atelier, vinhos que levem sua assinatura, e que sejam feitos dentro dos mesmos preceitos de pureza e honestidade.”
In Vino Viajas – Quando e onde será realizado o Terceiro Encontro?
Philippe Herbert & Alain Inglês – “Só Deus sabe! Mas se ocorrer uma terceira edição será decorrente da iniciativa dos próprios produtores brasileiros e franceses, e provavelmente em 2017 no Sul do Brasil que é a principal região vinícola do Brasil.”
Marco Danielle– “Sugeri Gramado, e já tenho o parecer entusiasmado e positivo de meu grande amigo Umberto Beltramea, gerente geral do Hotel Saint Andrews, interessado em acolher o evento. O St Andrews é um dos dois hoteis brasileiros 6 estrelas detentores da chancela Relais & Châteaux, e dispões de recursos financeiros suficientes para patrocinar o desafio. Apresentei a idéia ao grupo, mas até agora não obtive qualquer resposta. Como vinho brasileiro é sinônimo de Serra Gaúcha, e Gramado é símbolo de qualidade de vida, acreditei ser a idéia pertinente.“
Meu prezado leitor ou leitora, não importa onde vai ser realizado o Terceiro Encontro; In Vino Viajas estará acompanhando e divulgando. Um brinde aos vinhos naturais e seus valentes produtores independentes: tim-tim!
(*) Rogerio Ruschel é editor de In Vino Viajas baseado em São Paulo, mas gosta de vinhos franceses e brasileiros – e portugueses, e italianos, e alemães, e eslovenos e chilenos e espanhóis…
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