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Por Rogerio Ruschel
Meu estimado leitor ou leitora, esta parece ser uma historia de zumbis e mortos-vivos, mas não é: é mais uma historia curiosa e interessante sobre a cultura do vinho que começou durante uma Guerra e se transformou em uma tradição regional com personalidade exclusiva. Sim, porque ao que se saiba somente em Boticas, Portugal, é produzido o Vinho dos Mortos (embora seja comemorado também no Brasil) e vou explicar como e porque.
No ano de 1808 os franceses invadiram pela segunda vez Portugal durante as Guerras Napoleônicas. Ressabiados com a destruição de vinhedos, garrafas de vinho e adegas que havia acontecido um ano antes, os moradores de Boticas, um vilarejo de Trás-os-Montes decidiram enterrar os vinhos para que não fossem destruidos ou consumidos pelos franceses. E o local disponivel, para não despertar suspeitas, foi o cemitério local. Só para lembrar, durante esse período de invasões (nos anos de 1807 a 1811) a família real portuguesa decidiu refugiar-se no Brasil para não ser presa presos e só retornou depois que a Inglaterra, seu aliado, conseguisse expulsar os franceses, em 1812.
Quando o exército dos franceses, liderado pelo Marechal Janot se retirou, os moradores dessenterraram os vinhos e tiveram uma agradável surpresa: a bebida estava com sabor ainda melhor e se tornara um vinho com graduação de 10 a 11 graus, de cor clara, saboroso, com uma gaseificação natural em função da temperatura constante e da escuridão do solo. A partir da experiência decidiram enterrar todos os anos parte dos vinhos produzidos e assim nasceu a tradição que ganhou o nome “dos Mortos”, porque afinal os vinhos estavam enterrados e foram dados como mortos.
Passados quase 200 anos, com o tempo a tradição foi se perdendo, até que há alguns anos a Cooperativa Agrícola de Boticas – Capolib (especializada em carne bovina da raça Barrosã) criou um projeto para recuperar e preservar a tradição, inicialmente solicitanto uma inscrição no Registro Nacional de Propriedade Industrial e estudando um melhor terroir. O vinho é classificado como Vinho Regional Transmontano, e a microrregião vinhateira definida pelo Concelho de Boticas inclui as freguesias de Boticas, Granja, Pinho, Bessa, Quintas, Valdegas e Sapelas. As uvas utilizadas para fazer o Vinho dos Mortos são Alvarelho e Malvasia Fina (brancas), Bastardo, Tinta Carvalha e Tinta Coimbra (tintas) e o vinho final, que fica enterrado cerca de 6 meses, é um tinto de corpo leve e alta acidez, com nível baixo de álcool por causa do clima do norte de Portugal.
A historia do Vinho dos Mortos é um exemplo da sagacidade e da resistência do povo de Boticas, que teve que usar de uma forma criativa e audaciosa para preservar o seu patrimônio. A comunidade cultura a história, mas atualmente o único produtor registrado, que luta para manter a tradição é o produtor Armindo Sousa Pereira (acima) que mantém vivo o saber que herdou dos avós e dos pais com uma produção reduzida de cerca de 7 mil garrafas do “néctar do além” por ano. Seu produto é comercializado na cidade e em um site (veja abaixo), a cerca de 8 Euros a garrafa. Pois o senhor Armindo e a comunidade de Boticas ganharam um reforço, vindo da Academia.
Em agosto de 2017 a pesquisadora portuguesa Josefina Oliva Salvado, da Universidade de Aveiro (na foto acima, me apresentando em uma palestra na Universidade Portucalense, Porto) realizou um estudo metodológico sobre a historia, publicado na Revista Brasileira de Pesquisa do Turismo de São Paulo da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo – ANPTUR. O estudo da Professora Salvado utilizou duas metodologias quantitativas para o reconhecimento dos atributos do destino turístico e para sustentar a proposta de criação de valor na experiência de Enoturismo. As metodologias são a MatrizPCI (Matriz Património Cultural Imaterial) para inventariação dos recursos endógenos seguindo as orientações da UNESCO quanto à “Salvaguarda de Património Cultural”; e o modelo dos 6 A’s de Buhalis, que avalia seis aspectos: Atrações, Acessibilidade, Amenidades, Alojamento, Available Packages (pacotes Turísticos) e Auxiliares (Serviços auxiliares). Este estudo facilita o planejamento das atividades turísticas na região de Boticas – e se for utilizado com sabedoria ajudará a comunidade a manter a tradição viva.
Pois no Brasil também tem gente interessada em manter viva a tradição do “Vinho dos Mortos”. Esta historia de mais de 200 anos em Portugal vem sendo ressuscitada pela adega Quinta do Olivardo, em São Roque – SP, de origem e tradição portuguesa (que em 2013, 2014 e 2015 recebeu a referência “Excelência” do Trip Advisor). Para relembrar a historia, valorizar a cultura do vinho e divertir turistas, todos os terceiros sábados de cada mes o Olivardo Saqui (na foto acima) repete este ritual divertido: recebe os visitantes com um show e gastronomia porgugueses e os convida a percorrer o corredor das videiras com tochas ou lanternas para desenterrar e degustar garrafas de vinho; se quiser, o visitante pode comprar uma garrafa e enterrá-la para ser bebida seis meses mais tarde. Como diz o Olivardo, “O Vinho dos Mortos é que alegra os vivos”. A adega Quinta do Olivardo fica a 60 km de São Paulo. Informações pelo site aqui: http://quintadoolivardo.com.br/#nimblebox[nimble_portfolio_gal_default]/17/
O site do vinho dos mortos está aqui: http://www.vinhodosmortos.com/pt/
O estudo da Prof. Salvado está aqui: http://dx.doi.org/10.7784/rbtur.v11i2.1304
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Prezado Rogério Ruschel, é com muita alegria que vejo esta matéria do “Vinho dos Mortos” divulgado no seu fantástico blog dedicado ao enoturismo, cultura do vinho e património. Seu trabalho é crucial à investigação destes assuntos. Um abraço e até breve.