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Por Rogerio Ruschel
Estimados leitores e leitoras, fui um dos 12 membros da Comissão Julgadora da 1a. edição do Concurso Brasileiro de Vinhos de Mesa – CBVM, realizado na unidade de Viticultura e Enologia da Etec Benedito Storani – Etec BeSt, de Jundiaí – SP, uma das escolas do Centro Paula Souza, do governo do Estado de São Paulo. É um momento histórico porque este é o primeiro concurso a avaliar vinhos produzidos no país com uvas híbridas e americanas, vitis labrusca, tradicionalmente produzidas por descendentes de imigrantes, e não vinhos de uvas de vitis viniferas, aquelas castas européias que todos conhecem e que estão no mundo todo.
Entre elas estão vinhos produzidos com uvas Isabel, Niágara, Niágara Rosada, Goethe, Lorena, Bordô, Concord, Martha, variedades Embrapa como Moscato Embrapa, BRS Lorena. Estes vinhos de mesa atendem a mais de 80% do consumo de vinhos no país; aliás, você sabia que só no Estado de São Paulo existem 217 vinícolas registradas formalmente? Pois é: agora com um concurso próprio, tecnologia apurada, muitos enólogos estudando, muitos produtores produzindo, dois vinhos já com Indicações Geográficas, os vinhos de mesa do Brasil atingiram a maioridade mercadológica – e merecem respeito.
Um dos jurados foi o pesquisador Mauro Celso Zanus da Embrapa Uva e Vinho, agrônomo com experiência de 24 anos atuando em projetos de pesquisa no campo da Vitivinicultura, com ênfase em Enologia e Análise Sensorial. E que desde 1989 coordena o laboratório de Análise Sensorial da Embrapa Uva e Vinho.
Sobre a diferença entre vinhos produzidos com uvas vitis viniferas que tem centenas de anos de desenvolvimento e vinhos de mesa do Brasil, Zanus lembra que “No universo das uvas e vinhos o importante é se o vinho tem atributos ou não. E aqui defino qualidade como a propriedade de um determinado produto de atender a expectativa de seu comprador – a sua aceitabilidade. Os vinhos de mesa atendem plenamente a isso, pelas características do produto e preço. Muitos consumidores, por exemplo, preferem vinhos com gosto da uva – como as uvas Niágara, Bordô (Folha de Figo), Isabel, Goethe e Moscato Embrapa. “ (Lembro que meu livro “O valor global do produto local” (Ed. Senac, 2019) – o primeiro do Brasil a propor a utilização de técnicas do marketing global para produtos locais – deixa isso bastante claro, ao analisar que cada produto é posicionado, concebido (designed) para cada perfil de consumidor – veja em https://www.amazon.com.br/valor-global-produto-local-territorial/dp/8539623285 ).
Veja o restante da entrevista a seguir.
Rogerio Ruschel – Mais de 80% da área plantada com uvas no Brasil é de espécies que geram vinhos de mesa. Até que ponto a tecnologia desenvolvida pela Embrapa pode transformar toda a riqueza potencial das uvas e vinhos híbridos brasileiros em produtos mais nobres – e talvez até exportáveis?
Mauro Celso Zanus – No seu programa de melhoramento genético a Embrapa procurou desenvolver variedades adaptadas às condições de clima e solo das diferentes regiões do Brasil, sendo critério de seleção a produtividade da planta, a adaptabilidade – entendida como menor demandante de pesticidas – a qualidade da fruta, isto é, uma uva capaz de produzir um vinho que atenda aos diferentes nichos do mercado. Há no mercado de vinhos segmentos diversos de consumidores em termos de preferência de aroma e sabor – e, também, hoje, há o novo consumidor que se importa com as consequências ambientais do processo de produção da matéria-prima. Este consumidor deseja consumir produtos que impactem menos o meio-ambiente. Exemplo disso foi o desenvolvimento da uva BRS Lorena, pois é uma uva produtiva, adaptada a diferentes condições de clima e solo e que produz vinhos de bom preço, aromáticos com caráter muscatel, muito apreciados por um nicho de consumidores que valorizam as notas florais e de especiarias.
Rogerio Ruschel – Como você vê este segmento de vinhos de mesa no mercado brasileiro daqui a 10 anos, em termos de qualidade técnica, volume, aceitação pelo consumidor, valor de venda e também em prestígio técnico?
Mauro Celso Zanus – O mercado de vinhos está muito aberto a inovações tecnológicas que disponibilizem produtos de boa qualidade sensorial (cor, aroma e sabor) e que impactem menos o meio ambiente. Este movimento já está ocorrendo em muitas regiões vitícolas – incluindo as tradicionais áreas produtoras da Europa, pela pressão das questões ambientais. Então nós prevemos uma excelente aceitabilidade desses produtos, particularmente pelo perfil desse novo de consumidor, que tem uma cabeça mais aberta. A Embrapa – por dispor de um acervo genético de mais de mil cultivares de uva (com diversidade de cor, aroma e sabor) – pode desenvolver novas variedades capazes de sincronizar com as solicitações dos mercados.
Rogerio Ruschel – Outras regiões produtoras de vinhos de mesa têm potencial para obter Identidade Geográfica? Quais?
Mauro Celso Zanus – As indicações geográficas, tanto a Indicação de Procedência como a Denominação de Origem, podem acomodar vinhos provenientes de uvas americanas e híbridas – os vinhos de mesa. O conceito que norteia as Indicações Geográficas de produtos alimentícios é valorizar a originalidade dos produtos dos diferentes territórios e certificar a sua origem, sem restrições de espécies. Isso já existe no Brasil como na Indicação de Procedência Vinhos Vales da Uva Goethe, em Santa Catarina; e Indicação de Procedência Bituruna, no Paraná, esta última focada em vinhos de uvas Bordô e Martha (“Casca Dura”). Ainda existe a Indicação Geográfica Jundiahy para uva Niagara Rosada, de São Paulo, mas apenas para as uvas e não para os vinhos. Há muitas outras regiões no Brasil com potencial de desenvolver Indicações Geográficas dessas uvas, dependendo mais da organização dos próprios produtores, na busca de valoração dos produtos. A venda de vinhos direto aos consumidores (cadeias curtas), fortalecida pelo prestígio e divulgação das IGs e dos chamados Vinhos Coloniais, nas rotas de enoturismo, é um estímulo para que essas iniciativas se ampliem.”
O Concurso Brasileiro de Vinhos de Mesa – CBVM teve o apoio da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, da Consevitis RS – Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul, da Fecovinho – Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul, do SindVinho – Sindicato da Indústria do Vinho MG e Sindivinho RS.